quinta-feira, 8 de agosto de 2013

Euclides, Geometria e Fundamentos


Euclides, Geometria e Fundamentos
(Artigo organizado por Marcos Antônio Colins, professor de Matemática da Rede Estadual de Ensino do Maranhão)

Introdução

A preocupação com os fundamentos da Matemática remonta aos gregos da antiguidade. E a obra conhecida como Os Elementos de Euclides é a primeira apresentação da Matemática com pretensões – aliás, muito justificadas! – de ser rigorosamente fundamentada. Falemos um pouco sobre Euclides e os Elementos.

Os Elementos de Euclides

Temos pouca informação sobre Euclides, que teria vivido por volta do ano 300 a.C. E esse pouco que dele sabemos nos vem dos comentários de Proclus (410-485), um autor que viveu mais de 700 anos depois de Euclides. Mesmo Proclus tem dificuldade em determinar a época em que viveu Euclides.
Euclides escreveu várias obras científicas. A mais famosa das quais, conhecida com o nome de Elementos, reúne quase todo o conhecimento matemático daquele tempo. Em parte por causa disso, e também por tratar-se de uma obra de escola, que reunia a maior parte da Matemática então conhecida, as obras anteriores aos Elementos desapareceram. A única exceção são alguns fragmentos atribuídos a Hipócrates de Quio, que viveu no século V a.C. Assim, Os Elementos de Euclides é praticamente tudo o que temos da Matemática grega, que se desenvolveu desde seu início com Tales de Mileto, que viveu no século VI a.C., até o tempo de Euclides – um período de cerca de 250 anos. Aliás, muito pouco tempo para que a Matemática, logicamente organizada, evoluísse do estágio embrionário em que se encontrava com Tales até o alto grau de sofisticação que transparece em Os Elementos.
Não sabemos se Euclides escreveu Os Elementos para uso no ensino, ou apenas para reunir o conhecimento matemático da época. Naquele tempo não havia a preocupação pedagógica dos dias de hoje, de sorte que Euclides alcançou os dois objetivos; a obra foi muito usada no aprendizado da Matemática por mais de dois milênios. No século XIX já havia outros livros de Geometria, didaticamente mais adequados ao ensino, notadamente o livro de Legendre, que teve muitas edições em várias línguas, inclusive no português. Esse livro foi muito usado nas escolas brasileiras por quase todo o século XIX.
Um equívoco que se comete com frequência é pensar que Os Elementos é uma obra apenas sobre Geometria. Na verdade, há muito de Aritmética e Álgebra em vários dos livros de Os Elementos. O que é verdade – e isso explica, pelo menos em parte, a origem do equívoco – é que a Matemática grega, na época em que Euclides compôs sua obra, era toda ela geometrizada. De fato, a crise dos incomensuráveis e a genial solução que lhe deu Eudoxo, aliada a uma excessiva preocupação com o rigor, encaminhou toda a Matemática para o lado da Geometria. Isso se tornou tão arraigado que até cerca de 100 anos atrás os matemáticos costumavam ser chamados de “geômetras”.
Um outro equívoco não menos frequente é pensar que os fatos geométricos de Os Elementos sejam expressos numericamente como o são para nós hoje.
Para exemplificar, enquanto para nós a área de um triângulo é dada por uma fórmula, exprimindo metade do produto da base pela altura, para Euclides a área de um triângulo é metade da área do paralelogramo que se obtém com a junção de dois triângulos iguais ao triângulo dado; a área do paralelogramo é igual à área de um retângulo de mesma base e mesma altura, e assim por diante. Para nós, hoje, a área de um círculo é πr2, mas para Arquimedes (287-212 a.C.), que viveu algumas décadas depois de Euclides, a área do círculo é igual à área de um triângulo de base igual ao comprimento da circunferência e altura igual ao raio do círculo. Para nós o volume da esfera é 4πr3/3, enquanto o que Arquimedes nos diz é que o volume da esfera está para o volume do cilindro circular reto a ela circunscrito, assim como 2 está para 3; e isso é informação suficiente.
Na Matemática grega, antes e durante o período helenístico, não havia fórmulas como as que conhecemos hoje; tudo era dado em termos de proporções, como no caso do volume da esfera que acabamos de mencionar. E isso perdurou no ocidente por mais um milênio após o declínio da civilização helenística.

O conteúdo de Os Elementos

Os Elementos são hoje uma obra antes de tudo de valor histórico. Sua melhor versão é a tradução inglesa de Thomas L. Heath (que foi publicada pela Editora Dover em três volumes).
Isso porque Heath enriqueceu sobremaneira a obra de Euclides com uma excelente introdução, além de inúmeros, valiosos e esclarecedores comentários.
O volume I de Heath reúne os Livros I e II de Os Elementos, o primeiro destes contendo uma boa parte da geometria plana, construções geométricas, teoremas de congruência, áreas de polígonos e o teorema de Pitágoras (que é a Proposição 47). Ainda no volume I de Heath encontra-se o Livro II de Os Elementos, sobre o que se costuma chamar de “Álgebra geométrica”. Por exemplo, a Proposição 4 desse Livro II é o equivalente, em linguagem geométrica, à propriedade que hoje conhecemos como “quadrado da soma” (igual ao quadrado do primeiro, mais o quadrado do segundo, mais duas vezes o primeiro vezes o segundo). Euclides enuncia isso geometricamente assim: “Se um segmento de reta é dividido em dois, o quadrado construído sobre o segmento inteiro é igual aos quadrados construídos sobre os segmentos parciais e duas vezes o retângulo construído com estes segmentos”. Euclides não fala, mas ele está se referindo a áreas, quando diz “... é igual...”.
O volume II de Heath contém os Livros III a IX de Os Elementos, tratando do círculo (Livro III), construção de certos polígonos regulares (Livro IV), teoria das proporções de Eudoxo (Livro V), semelhança de figuras (Livro VI) e teoria dos números (Livros VII-IX). Por exemplo, a Proposição 20 do Livro IX é o famoso teorema: “existem infinitos números primos”. Mas Euclides não fala “infinitos”, já que os gregos não admitiam o que Aristóteles chama de “infinito atual”, apenas o chamado “infinito potencial”. Em linguagem de hoje, Euclides diria mais ou menos isso: “Dado qualquer conjunto (finito, entenda-se bem!) de números primos, existe algum número primo fora desse conjunto”. E a demonstração, novamente, é geométrica. Na opinião do matemático inglês Godfrey Harold Hardy (1877-1947), trata-se de uma das mais belas demonstrações da Matemática. Finalmente, o volume III de Heath contém os Livros X-XIII, onde são tratados a incomensurabilidade, geometria espacial e os poliedros regulares.

A Geometria dedutiva

Foi no início do século VI a.C. que Tales de Mileto inaugurou na Matemática a preocupação demonstrativa. A partir de então a Matemática grega vai assumindo o aspecto de um corpo de proposições logicamente ordenadas: cada proposição é demonstrada a partir de proposições anteriores, essas a partir de outras precedentes, e assim por diante, um processo que não teria fim. Mas os gregos logo perceberam isso e viram que era necessário parar o processo em certas proposições iniciais, consideradas evidentes por si mesmas; com base nessas, todas as outras são demonstradas. As proposições evidentes por si mesmas são hoje designadas, indiferentemente, “postulados” ou “axiomas”. O aspecto mais importante de Os Elementos é essa organização dos fatos, num admirável encadeamento lógico-dedutivo, em que um número reduzido de proposições e definições iniciais são o bastante para se demonstrar, uns após os outros, todos os teoremas considerados. Historicamente, Os Elementos de Euclides é a primeira corporificação desse “método axiomático”, do qual voltaremos a falar mais adiante.

As geometrias não-euclidianas

Embora muito admirado e aplaudido, o modelo axiomático de Os Elementos, no que se refere ao quinto postulado, ou postulado das paralelas, suscitou questionamentos.
Já na antiguidade vários matemáticos acreditavam que ele pudesse ser demonstrado com base nos outros postulados e tentaram fazer tal demonstração. Essas tentativas foram retomadas nos tempos modernos pelo matemático italiano Girolamo Saccheri (1667-1733), que publicou, pouco antes de morrer, um opúsculo no qual pretendia ter demonstrado o postulado pelo método de redução ao absurdo. Assim, negando o postulado, ele demonstrou uma série de teoremas, concluindo ter chegado a uma contradição. Mas, no fundo, no fundo, não havia contradição nas conclusões de Saccheri, embora isso só fosse notado muito mais tarde, quando Eugênio Beltrami (1835-1900) descobriu o trabalho de Saccheri.
Por volta de 1830 já havia sérias suspeitas de que o postulado das paralelas não pudesse ser demonstrado a partir dos outros. Suspeitava-se que ele fosse independente dos outros quatro, e que se pudesse desenvolver uma geometria a partir de negações do postulado das paralelas, ao lado dos outros postulados de Euclides. Foi nessa época que o matemático húngaro János Bolyai (1802-1860) e o russo Nicokolai Ivanovich Lobachevsky (1792-1856) publicaram, independentemente um do outro, a descoberta de geometrias não-euclidianas, ou seja, geometrias que negam o postulado das paralelas.
Mas as publicações de Bolyai e Lobachevski não foram suficientes para convencer o mundo matemático da possibilidade das geometrias não-euclidianas. Esses trabalhos eram parecidos com o de Saccheri: negavam o postulado das paralelas e desenvolviam uma série de teoremas sem chegar a contradição alguma. Mas, e daí? Quem garante que a contradição não está para aparecer logo no próximo teorema que ainda não foi demonstrado? Quem garante que todos os teoremas já foram enunciados e demonstrados? Aliás, foi somente após essas questões terem sido levantadas, aliadas à conexão com as tentativas de construir geometrias não-euclidianas, que os matemáticos começaram a perceber que a própria Geometria de Euclides também estava sujeita aos mesmos questionamentos.
Quem poderia garantir que os cinco postulados de Euclides não poderiam levar a uma contradição? Afinal, Euclides demonstrara apenas um número finito de teoremas. Quem sabe a contradição apareceria no próximo teorema, como alguém que, depois de tanto percorrer as areias de um deserto à procura de um oásis, quando não mais acredita que ele exista, pode – agora por felicidade e não desdita – encontrá-lo do outro lado da próxima duna!...]
Foi Beltrami quem primeiro exibiu um modelo de geometria não-euclidiana, que permitia interpretar os fatos dessa geometria, em termos da própria geometria euclidiana.
Outros modelos foram construídos por Felix Klein (1849-1925) e Henri Poincaré (1854-1912). Esses modelos, como o de Beltrami, foram apoiados na geometria euclidiana.

O método axiomático

Foi a partir de então – após esses vários matemáticos haverem exibido modelos euclidianos das geometrias não-euclidianas – que essas geometrias ganharam total credibilidade. Provava-se que elas eram consistentes, isto é, livres de contradições internas. Mas tais provas apoiavam-se na geometria euclidiana, de sorte que elas tornavam ao mesmo tempo evidente a necessidade de provar a consistência da própria Geometria de Euclides. Os matemáticos começaram então a estudar a consistência dos postulados de Euclides, e logo perceberam que eles eram insuficientes para provar os teoremas conhecidos, sem falar nos demais que viessem a ser considerados no futuro. Analisando os Elementos desse novo ponto de vista, eles descobriram que a axiomática euclidiana era muito incompleta e continha sérias falhas. Euclides, em suas demonstrações, apelava para fatos alheios aos postulados. Era necessário reorganizar a própria geometria euclidiana, acrescentando, inclusive, os postulados que estavam faltando. Isso foi feito por vários matemáticos no final do século XIX, dentre eles David Hilbert (1862-1943), que, em 1889, publicou o livro Fundamentos da Geometria, no qual ele faz uma apresentação rigorosa de uma axiomática adequada ao desenvolvimento lógico-dedutivo da geometria euclidiana.

Os Fundamentos da Matemática

Paralelamente ao que acontecia em Geometria, as preocupações com o rigor se faziam presentes também na Análise Matemática, a partir de aproximadamente 1815. Os desenvolvimentos que vinham ocorrendo na Geometria, na Álgebra e na Análise durante todo o século XIX convergiram, no final do século, para uma preocupação com os fundamentos de toda a Matemática. Por duas razões importantes, os matemáticos acabaram se convencendo de que todas as teorias matemáticas teriam de se fundamentar, em última instância, nos números naturais.
De um lado, os números complexos, os números reais, os racionais e os inteiros puderam ser construídos, de maneira lógica e consistente, uns após outros, começando nos números naturais. De outro lado, Hilbert estabelecera uma correspondência entre os elementos geométricos do plano – pontos, retas e círculos – com os entes numéricos da geometria analítica. Os pontos podem ser caracterizados por pares ordenados de números reais, e as retas e círculos por suas equações. Isso permitiu reduzir o problema da consistência da Geometria à consistência da Aritmética. Provando se a consistência desta, ficaria também provada a da Geometria. Assim, a Geometria, que desde a antiguidade era considerada o modelo de rigor lógico, estava agora dependendo da própria Aritmética para sua efetiva fundamentação.
Leopold Kronecker (1823-1891) dizia que Deus nos deu os números naturais e que o resto é obra do homem. Com isso ele queria dizer que esses números deveriam ser tomados como o ponto de partida, o fundamento último de toda a Matemática. Não obstante, Richard Dedekind (1831-1916) mostrou ser possível construir os números naturais a partir da noção de conjunto, noção essa que seria mais extensamente desenvolvida por Georg Cantor (1845-1918).
A possibilidade de construir toda a Matemática a partir da teoria dos conjuntos intensificou o interesse por esse campo de estudos. Porém, esses estudos estavam ainda incipientes e os matemáticos já começavam a encontrar sérias contradições internas na teoria. Muitas dessas contradições foram resolvidas, até que, em 1931, o lógico austríaco Kurt Gödel (1906-1978) surpreendeu o mundo matemático com a publicação de um trabalho em que demonstrava que o método axiomático tem inevitáveis limitações, que impedem mesmo a possibilidade de construir um sistema axiomático, abrangendo a Aritmética.
Para bem entender o que isso significa, devemos lembrar que um sistema axiomático deve satisfazer as três condições seguintes: ser consistente, quer dizer, os postulados não podem contradizer uns aos outros, por si mesmos ou por suas consequências; deve ser completo, no sentido de os postulados serem suficientes para provar verdadeiras ou falsas todas as proposições formuladas no contexto da teoria em questão; e, por fim, cada postulado deve ser independente dos demais, no sentido de que não é consequência deles, sob pena de ser supérfluo.
Pois bem, Gödel prova, dentre outras coisas, que a consistência de qualquer sistema matemático que englobe a Aritmética não pode ser estabelecido pelos princípios lógicos usuais. Isso ele prova como consequência deste seu outro resultado, conhecido como o teorema da incompletude: se uma teoria formal que abrange a Aritmética for consistente, ela necessariamente será incompleta, o que significa dizer que haverá alguma proposição sobre os inteiros que a teoria será incapaz de decidir se verdadeira ou falsa.
Seria errôneo pensar que os estudos de Fundamentos terminam com os resultados de Gödel, ou que esses resultados, pelos seus aspectos negativos, condenam a Matemática a uma posição inferior no contexto do conhecimento humano. O resultado de Gödel certamente mostra que é falsa a expectativa acalentada desde a antiguidade de que o conhecimento matemático, com seu caráter de certeza absoluta, possa ser circunscrito nos limites permitidos por um sistema axiomático. Além de revelar as limitações do método axiomático, os resultados de Gödel mostram, isto sim, que as verdades matemáticas, na sua totalidade, escapam aos figurinos formais dos sistemas axiomáticos.
Hermann Weyl (1885-1955), que está entre os maiores matemáticos do século XX, disse, espirituosamente: Deus existe porque certamente a Matemática é consistente; e o demônio existe porque somos incapazes de provar essa consistência.

[Contato: macolins@gmail.com]

Equações e inequações com radicais


Equações e inequações com radicais
(Artigo organizado por Marcos Antônio Colins, professor de Matemática da Rede Estadual de Ensino do Maranhão)

Introdução

Muitos professores encontram dificuldades ao lidar com equações e inequações com radicais. Nosso objetivo aqui é o de chamar a atenção para a classe mais comum dessas equações e inequações, cujo tratamento repousa sobre certos pontos básicos que, quando levados em conta, evitam as dificuldades a que nos referimos.

Um primeiro equívoco

Certa vez um renomado professor de Matemática foi abordado por um colega de profissão, onde este queria entender o modo correto de resolver a seguinte equação: x2 = 16. O mesmo perguntou então se estaria correto proceder assim: x2 = 16 ± x = ± 4, com quatro possibilidades de escolha de sinais: + x = ± 4 e – x = ± 4, resultando nas duas soluções x = ± 4.
Com um balançar de cabeça, o renomado professor deu a entender que não aprovava. O colega insistiu: mas, professor, não é verdade que x2 = ± x e 42 = ± 4?
Aí o professor foi bem explícito e disse: Não! não é bem assim.
De fato, às vezes escrevemos coisas como 16 = ± 4, mas isso não está certo. Trata-se de um “abuso de notação”. Não existem coisas que os linguistas chamam de “abuso de linguagem”, “licença poética” e “licença literária”? Pois os matemáticos também incorrem em “abusos de notação” e de “linguagem”. Não tem muita importância, pode até ser uma conveniência, mas é preciso ter consciência do que se está fazendo. Por exemplo, ao lidarmos com a função que leva x em x dizemos e escrevemos corretamente assim: “seja a função x → √x, x 0”. É um abuso de notação dizer “seja a função y = x”, pois, a rigor, essa última expressão é apenas um valor particular da função, aquele que ela assume no valor “x” da variável independente; além disso, nesse último modo de falar nem estamos especificando o domínio da função, deixando-o subentendido.
Voltando ao caso da raiz quadrada, escrever 16 = ± 4 é um abuso de notação porque o radical tem um significado único: sendo a um número positivo, √a significa sempre a raiz quadrada positiva, nunca a negativa (é claro que se poderia ter convencionado o contrário, isto é, √a significando a raiz negativa, não a positiva). Tanto é assim que, quando escrevemos a “fórmula de Bhaskara”, tomamos o cuidado de usar o duplo sinal de mais e menos na expressão ±√(b2 – 4ac).
Como então resolver a equação proposta? Pelo que dissemos, √x2 é o número positivo |x|, isto é, √x2 = |x| (e nunca √x2 = x, pois x pode ser negativo).
Analogamente, 16 = 4, de sorte que x2 = 16 |x| = 4 x = ± 4 e pronto, é isso aí! Na prática, costumamos suprimir a parte do meio e simplesmente escrever: x2 = 16 x = ± 4.

Um outro exemplo

Vamos esclarecer melhor essas coisas, considerando a seguinte equação, um pouco mais complicada que a anterior:

(4 – x) = x – 2 (1)

É claro que, ao escrever essa equação, já estamos supondo que 4 – x ≥ 0, isto é, que x ≤ 4. Para resolvê-la, elevamos ambos os membros ao quadrado, obtendo:

(4 – x) = x – 2 → 4 – x = (x – 2)2 ⇔ 4 – x = x2 – 4x + 4 (2)

⇔ – x + 4x – x2 = 0 ⇔ 3x – x2 = 0 ⇔ x(3 – x) = 0 ⇔ x = 0 ou x = 3.

Dessas duas soluções, somente x = 3 resolve a equação inicial. Com o outro valor, x = 0, a equação inicial ficaria sendo √4 = –2, que está errado, pois √4 significa sempre +2.
Na verdade, o outro valor encontrado, x = 0, é a solução da outra equação, aquela que leva sinal negativo, ou seja:

–√(4 – x) = x – 2 (3)

Tanto essa equação, como a equação inicial, ao serem elevadas ao quadrado, implicam a mesma equação 4 – x = (x – 2)2. Essa, sim, tem duas soluções: x = 0 e x = 3, uma que é solução de +√(4 – x) = x – 2 e outra que é solução de –√(4 – x) = x – 2.
Com esse exemplo fica bem clara a importância de se convencionar que o símbolo √a significa sempre a raiz quadrada positiva de a, qualquer que seja o número positivo a, pois é necessário que tal símbolo tenha significado único e preciso sempre. Do contrário, a equação (1) não seria uma equação só, mas conteria também a equação (3), ou seja, estaríamos lidando com ±√(4 – x) = x – 2.
Temos duas equações, as quais, juntas, equivalem à segunda equação que aparece em (2), isto é, ±√(4 – x) = x – 2 ⇔ 4 – x = (x – 2)2.
Observe que a primeira implicação em (2) é apenas da esquerda para a direita, não valendo a volta.
No fundo, o que estamos usando em nosso procedimento é a seguinte propriedade dos números:

Se a e b são números não negativos, então a2 = b2 ⇔ a = b.

Como se vê, precisamos ter certeza de que os números a e b sejam não-negativos. Se não tivermos essa informação, só podemos escrever a = b → a2 = b2 (e nunca a2 = b2 → a = b).
Em nosso caso concreto, a = √(4 – x) e b = x – 2.
Podemos também escrever:

Se a e b são números quaisquer, então a2 = b2 |a|=|b|.

ou, ainda,

a2 = b2 ⇔ a = ± b.

Observe que a = ± b é outro modo de dizer que a e b têm o mesmo valor absoluto, isto é, que |a|=|b|. Assim, com a = √(4 – x) e b = x – 2, podemos escrever:

(√(4 – x))2 = (x – 2)2|√(4 – x)|=|x – 2|,

ou ainda, de maneira equivalente,

(√(4 – x))2 = (x – 2)2 ⇔ ±√(4 – x)=x – 2.

Para dar mais um exemplo de que o símbolo √a deve significar apenas uma das raízes de a, considere a equação:

(1 – x) + 2 = √(1 + 3x).

E agora, a primeira raiz quadrada que aí aparece é positiva? Negativa? E a segunda? É justamente para evitar tais ambiguidades que convencionamos, de uma vez por todas, que o símbolo √a significa sempre a raiz quadrada não-negativa de a.

Inequações e valor absoluto

Como se faz para resolver a inequação x2 < 9? Será correto simplesmente extrair a raiz quadrada e escrever x < 3? Não, isso é errado, pois x = –4 é menor que 3, no entanto (–4)2 = 16 é maior do que 9.

Lembremos que x2 é o mesmo que |x|2, de forma que o correto é

x2 < 9 ⇔ |x|2 < 9 ⇔|x| < 3 ⇔ –3 < x < 3.

Assim, a solução da inequação x2 < 9 é o conjunto dos números do intervalo (–3, 3).
O que usamos na resolução da inequação acima foi a seguinte propriedade dos números:

Se a e b são números não-negativos, então a2 > b2 ⇔ a > b.

Outro exemplo: x2 > 25.

Temos, agora,

x2 > 25 ⇔ |x|2 > 25 ⇔ |x|> 5.

As soluções são os números tais que |x|> 5. Ora, isso acontece com x > 5 ou x < –5.

[Contato: macolins@gmail.com]