A
carroça na frente dos bois – uma história real
(Artigo
organizado por Marcos Antônio Colins, professor de Matemática da
Rede Estadual de Ensino do Maranhão)
Certa
vez uma professora de Matemática foi abordada pelo seu filho, de 9
anos, que ora inicia seus estudos no 4o
ano do Ensino Fundamental, com a seguinte questão que lhe havia sido
passada como tarefa de casa. Esta solicitava que o aluno atribuísse
um “sim” ou “não” ao enunciado: “A
operação de subtração, no conjunto dos números naturais, possui
a propriedade de fechamento”.
Primeiramente
fez-se necessário esclarecer o conceito de fechamento
de um conjunto com relação a uma operação. A professora (mãe do
aluno) exemplificou dizendo que quando somamos dois números naturais
obtemos um terceiro número natural como resultado daquela operação
e portanto este conjunto é fechado
para a adição. Foi então que ela foi surpreendida com a observação
da criança: “mas
mamãe, poderia dar outra coisa?”
Naquele momento sua mãe compreendeu que o problema não estava
somente na falta de compreensão do novo conceito, mas principalmente
na inexistência de expectativa para um aluno do 4o
ano com respeito a outros números que não os naturais, já que até
aquele ponto ele nada sabia sobre números inteiros. Também não
pareceu lógico à sua mãe explicar o não
fechamento
do conjunto com relação à operação de subtração, baseado em
uma situação que ao ver da criança nunca existiria. Como
justificar, que, por exemplo, 2 – 5 não é um número natural se,
para ele, realizar a subtração 2 – 5 é um procedimento
impossível? Na verdade, tornava-se evidente um impasse advindo da
própria conceituação de operação, no caso, binária.
Uma
operação binária sobre um conjunto A
é uma função do produto cartesiano A
× A
em A.
Conclui- se que para todo par ordenado (a,
b)
em A
× A,
existe um e somente um elemento de A
associado ao par através dessa aplicação. Neste caso, não faz
sentido falar do fechamento
do conjunto A
em relação à operação, pois esta deve poder ser efetuada sobre
quaisquer dois elementos do conjunto dando como resultado
necessariamente um elemento do conjunto. No entanto, a propriedade do
fechamento
pode ser definida e verificada em subconjuntos de A.
Podemos considerar um subconjunto S,
não vazio, de A
e a mesma operação binária definida em A
e induzida sobre S.
Efetuando a operação entre dois elementos quaisquer de S,
existem duas possibilidades:
- O resultado da operação é sempre um elemento de S. Neste caso dizemos que S é fechado para aquela operação;
- Para algum par de elementos de S o resultado da operação não é um elemento de S (embora pertença a A). Neste caso dizemos que S não é fechado para aquela operação.
A
compreensão, segundo este ponto de vista, do não
fechamento
da subtração requer o conhecimento do conjunto de números
inteiros. A subtração no conjunto dos números naturais não é uma
operação, mas sim uma propriedade da adição: “Dados
a e b Є
N
com a ≥ b existe um único c Є
N
tal que a = b + c”.
Aqui c
é a diferença
entre a
e b
e escreve-se c
= a – b.
Conclui-se que o
problema é conceitual, exigindo grande rigidez e formalização. Não
é de se esperar que uma criança antes de completar a primeira
década de vivência e aprendizagem esteja preparada e amadurecida
para analisar, refletir, e compreender situações de tamanha
abstração.
Cabe a nós,
professores e pais, tentarmos estar sempre atentos para a forma de
raciocínio objetivo, concreto e cristalino de nossas crianças.
Antes que lhes sejam impingidas e cobradas listas de propriedades a
respeito de um conceito novo, é imprescindível que lhes sejam
fornecidos materiais em exemplos e exercícios e os mais diversos
subsídios, para que, estimuladas pela curiosidade, percebam a
existência de um universo bem maior do que aquele conhecido por
elas. Depois elas mesmas irão deduzindo propriedades e tirando suas
próprias conclusões. Tudo isso feito a seu tempo, caminhando sem
atropelos, como os bois na frente da carroça, que lentamente efetuam
o seu trabalho e atingem o seu objetivo.
[Contato:
macolins@gmail.com]
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