O
fantasma da Matemática
(Artigo
organizado por Marcos Antônio Colins, professor de Matemática da
Rede Estadual de Ensino do Maranhão)
O Brasil melhorou,
nos últimos anos, seu desempenho no Pisa (Programa de Avaliação
Internacional de Estudantes), ou no nome em inglês, a que
corresponde a sigla: Programme for International Student Assessment,
mas sua classificação entre os 65 países considerados ainda
continua baixa, conforme se pode ver pela edição de 2009 do
programa: ocupamos o 53o
posto em leitura e ciência e o 57o
em Matemática.
A média dos
países mais desenvolvidos do conjunto considerado foi de 496 pontos
e a nossa, de 401 pontos, sendo que em leitura obtivemos 412 pontos
contra 393, em 2006, em Matemática, 386 contra 370, anteriormente, e
em ciências 405 contra 390.
Assim mesmo,
ficamos atrás de países como México, Uruguai, Jordânia e
Tailândia entre outros que, em princípio, deveríamos superar na
classificação geral.
Como o processo
de avaliação desse indicador da Organização para Cooperação e
Desenvolvimento Econômico (OCDE) se faz a cada três anos, com
ênfase, a cada vez, em uma das três áreas que o integram, e como
em 2012 a ênfase será em Matemática, já se espera que a posição
do Brasil no ranking dos países avaliados não melhore mais do que o
já obtido em 2009. O que mostra a situação delicada e preocupante
do grau de conhecimento e de desempenho, nessa matéria, dos nossos
jovens estudantes do Ensino Fundamental e Médio.
Não é boa a
situação, embora traga, como foi dito, promessas de melhoria pelas
tendências verificadas, quando se considera a série de avaliações
realizadas a partir do ano 2000.
O mundo da
Matemática é fascinante, porque é misterioso e lógico, ao mesmo
tempo.
A atração por
ele não tem preferência de idade para manifestar-se, embora, em
todas as circunstâncias, seja necessário que tenhamos motivação e
sejamos orientados, guiados e acompanhados pelos processos
educacionais como Dante por Beatriz nos círculos concêntricos da
geografia poética da Divina
Comédia.
Luiz Alfredo
Garcia-Roza, no livro Fantasma,
da
série de romances que tem o delegado Espinosa como protagonista,
oferece ao leitor uma instigante experiência literária das
motivações e das fascinações com que podemos ser capturados pela
beleza e encantamento da Matemática, da Lógica e da Filosofia.
Logo no início
dessa narrativa, cujo título se refere a um objeto ou ser que não
existe e cuja formulação lógica da proposição que lhe
corresponde poderia ser algo como “Existe um x,
tal que x
é fantasma, e x
não existe”, enuncia-se a contradição lógica que acompanhará a
aventura do herói e do leitor em busca do desvendamento do mistério
que a trama propõe.
Para enfatizar a
tensão em que se cruzam realidade, imaginação, fantasia e ficção
há uma passagem que, como se ao acaso, faz o registro de uma
descoberta afetivo-intelectual do detetive e, com ele, do leitor:
“A
pergunta que não o abandonava e que tirara algumas horas de seu sono
na noite anterior referia-se ao título de um livro que encontrara
num sebo. Tratava-se de uma crítica do filósofo e lógico inglês
Bertrand Russell ao livro Sobre
a teoria dos objetos inexistentes,
do também filósofo e lógico austríaco Alexius Meinong e cujo
título considerara fascinante.
Não
que o delegado Espinosa tivesse especial interesse pela Filosofia ou
pela Lógica. Pelo menos não a ponto de comprar um livro que
discutia questões além de sua compreensão. Comprara porque era um
livro publicado em 1910 e custara uma ninharia.
Além
do título provocador, uma introdução falava dos tais objetos não
apenas como inexistentes (ou não existentes, como ele frisava), mas
ainda por cima os dividia em três classes distintas. À primeira,
pertencem os objetos cuja não-existência é um fato empírico, caso
do centauro, por exemplo. À segunda classe, os objetos cuja
existência implica uma contradição, e o exemplo era o círculo
quadrado. À terceira, pertencem os objetos que subsistem mas não
existem em si mesmos: os números, as relações e as figuras
geométricas. Estes últimos, dizia o filósofo austríaco, estão
para além do ser e do não-ser. Assim, a redondeza do quadrado
redondo, por exemplo, não é afetada pela sua não-existência.
O
homem era um louco, pensou Espinosa. 'A redondeza do quadrado redondo
não é afetada pela sua não-existência'! A frase o encantava,
embora fosse uma frase de louco. Caminhava em direção à delegacia,
ainda procurando a lógica dessas ideias. Dizer que a redondeza do
quadrado redondo não é afetada por sua não-existência é o mesmo
que dizer que a fama de Sherlock Holmes não é afetada por sua
não-existência... E não é mesmo, concluiu, perplexo. E nesse
instante Espinosa decidiu que dedicaria um pouco mais de tempo à
estranha teoria dos ainda mais estranhos objetos não existentes.”
No trecho, além
da questão da intencionalidade e do nominalismo realista presentes
em todas as grandes polêmicas e discussões da Lógica, da Filosofia
da linguagem e dos princípios da Matemática, para lembrar o livro
fundamental de Bertrand Russell, está a chave do desvendamento do
mistério policial que a história do livro enuncia e que, no plano
das representações e das figuras de linguagem com que essa história
se conta, É também o mistério insolúvel da existência e de suas
motivações.
O enunciado
“Existe um x,
tal que x
é fantasma, e x
não existe” parece violar as três leis fundamentais da lógica
formal, a saber, a lei da identidade, a lei da não contradição e a
lei do terceiro excluído.
A primeira lei
diz que todo sujeito é seu próprio predicado, isto é, que A
= A;
a segunda lei, da não contradição, reafirma a primeira sob a forma
da negociação, dizendo que A
não é um não-A;
a terceira diz que duas proposições contraditórias são exclusivas
no sentido de que se uma é verdadeira, a outra é necessariamente
falsa e vice-versa: se A
é B,
A
não pode, mesmo particularmente não ser B.
Assim, se “todo homem é mortal” for verdadeira, “algum homem
não é mortal” é obrigatoriamente falsa, e vice-versa, havendo só
duas possibilidades que excluem definitivamente uma terceira.
Ainda na passagem
citada do livro de Garcia-Roza, o narrador apresenta em resumo as
três classes de objetos não existentes do lógico e filósofo
austríaco Alexius Meinong, sendo que na terceira encontram-se
objetos que subsistem sem existir em si mesmos. São por exemplo, os
objetos matemáticos, números, relações e figuras geométricas.
Por aí já se vê
o grau de abstração que essas entidades implicam exigindo da mente
humana disciplina, estudo, dedicação, treinamento e capacidade de
sair da experiência do mundo sensível sem perder a sensibilidade
conceitual e científica que os enunciados matemáticos formulam.
Assim como no
romance no qual é a existência de um ser não existente ─ o
fantasma do título ─ que está em questão e é ele que nos
permite, pela ficção, entender e compreender melhor a lógica e os
argumentos do mundo dos seres existentes, assim as equações, os
números e as figuras geométricas, na medida em que são também, de
certa forma, ficções da ciência, sem as quais não é possível
formular seus enunciados e, portanto, permitir sua comunicação, são
construções ideais da mente humana que permitem ao homem a intenção
de significar e de modificar o mundo, a si próprio, ao próprio
homem, nas relações de conhecimento que entre eles se estabelecem.
[Contato:
macolins@gmail.com]
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