Desafios
e perspectivas para o ensino e a pesquisa na área de Matemática
(Entrevista
selecionada por Marcos Antônio Colins, professor de Matemática da
Rede Estadual de Ensino do Maranhão)
O alagoano Hilário
Alencar da Silva, atual presidente da Sociedade Brasileira de
Matemática (SBM), professor da Universidade Federal de Alagoas
(UFAL) e Comendador da Ordem Nacional do Mérito Científico, sabe
que a realidade brasileira em relação à Matemática é uma equação
de difícil resolução. Mas nem por isso deixa de tentar resolvê-la.
Nesta entrevista à revista ComCiência
o matemático, formado pela Universidade Católica de Pernambuco e
doutor pelo renomado Instituto Nacional de Matemática Pura e
Aplicada (IMPA), traça as perspectivas para o ensino e pesquisa na
área, aborda os altos e baixos do ensino da Matemática e afirma: “a
ignorância matemática é tão grave quanto analfabetismo”.
P.
são as perguntas feitas e R.
são as respostas do professor Hilário.
P. Por que
a Matemática é importante e, principalmente, como convencer a
população de que aprender Matemática é fundamental?
R. A
Matemática é indispensável a toda a ciência e, portanto, a
aprendizagem das suas ideias abre a cada um de nós as portas do
conhecimento. Por isso, o conhecimento da Matemática é condição
necessária ao próprio exercício da cidadania: ignorância
matemática é tão grave quanto analfabetismo.
P. Quais
os principais feitos e gargalos em relação à Matemática que o
Brasil possui?
R. A
atividade de pesquisa em Matemática no Brasil tem pouco mais de meio
século de existência. Nesse curto período, o país alcançou
grande destaque internacional e construiu uma comunidade de cerca de
dois mil doutores, pesquisadores e professores universitários que é
muito respeitada no exterior pela qualidade da sua pesquisa. Porém,
a comunidade precisa crescer muito mais. Atualmente formam-se cerca
de 150 doutores por ano na área de Matemática, mas isso é muito
pouco para as necessidades do país, algo como oito vezes menos que
nos Estados Unidos, por exemplo. Outro gargalo, ainda mais grave,
está na formação matemática na escola básica, que vive um
círculo vicioso: professores mal preparados, mal reconhecidos e
desmotivados dão origem a alunos com formação extremamente
deficiente. Resultado: o país ocupa os últimos lugares nas
avaliações internacionais da formação matemática dos seus
jovens. Ao mesmo tempo, os nossos melhores alunos ganham medalhas de
ouro nas Olimpíadas Internacionais de Matemática.
P. De 1979
para cá, a Olimpíada Brasileira de Matemática cresceu ao ponto de
ser reconhecida como a maior competição de Matemática do mundo.
Quais os próximos desafios?
R. Fazer
com que esses êxitos se traduzam numa efetiva melhoria da qualidade
geral do ensino de Matemática no nosso país. Fazer com que as
exceções (brilhantes) se tornem regra.
P. De um
lado, o Brasil consegue boas colocações nas Olimpíadas
Internacionais de Matemática. De outro, derrapa nas colocações do
Programa Internacional de Avaliação de Estudantes (Pisa, na sigla
em inglês). Como conjugar realidades tão diferentes?
R. A
grande dificuldade para atacar o problema do ensino no nosso país é
a escala do nosso sistema educativo: cerca de dois milhões de
professores e cinquenta milhões de alunos. Para elevar o conjunto do
sistema a um patamar de qualidade, e não apenas um pequeno grupo de
estudantes particularmente talentosos, é preciso pensar em grande
escala e agir com determinação.
P. Segundo
a Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior
(Capes), o país tem 39 programas de mestrado em Matemática, 23
doutorados e 5 mestrados profissionais. Como está essa área de
pesquisa no país hoje?
R. A
pesquisa brasileira em Matemática é muito respeitada e, embora
pequena, a comunidade apresenta elevada qualidade. A prova disso é
que o Brasil está classificado no Grupo IV (segundo mais alto) da
União Matemática Internacional, juntamente com países como a
Polônia, Suíça, Suécia, Holanda, Espanha e Coreia.
P. Como o
senhor avalia o ensino de Matemática brasileiro? Diversos autores
concordam que o currículo da área é defasado e o professor não
consegue atender ao que é solicitado.
R. O
ensino de Matemática no Brasil apresenta inúmeras mazelas.
Currículos defasados, livros de baixa qualidade, aulas
desmotivadoras, conteúdos demasiado ambiciosos e mal focados, que
não deixam espaço a que o aluno aprenda da melhor forma, ou seja,
praticando ativamente a Matemática. Na raiz de tudo isso está,
entre outros fatores, a formação deficiente combinada com a falta
de valorização profissional do professor.
P. O país
dá mostras de que começa a investir no mestrado profissional. Qual
a importância disso e como a Matemática pode se beneficiar de tal
investimento?
R. O
mestrado profissional é um instrumento importante para tentar
quebrar o círculo vicioso mencionado anteriormente: ele permite
colocar a comunidade acadêmica universitária a serviço da causa da
formação do professor da escola básica, disseminando a competência
que se encontra acumulada nas nossas melhores universidades e
institutos de pesquisa.
P. A
inclusão de novas tecnologias facilita o ensino e aprendizagem da
Matemática?
R. Sem
dúvida, até por permitir a todos maior acesso ao conhecimento,
independentemente da sua localização. Também é importante lembrar
que a relação aluno-professor é a base de todo o processo de
aprendizagem.
P. Onde
podemos encontrar matemáticos empregados no dia a dia?
R. Segundo
pesquisa realizada pelo jornal The
New York Times,
em dois anos consecutivos recentes, a profissão de matemático foi
considerada a mais atraente de todas as profissões! No nosso país,
os matemáticos estão empregados, sobretudo, no ambiente acadêmico
(universidades e institutos de pesquisa), e também em alguns setores
da indústria, do setor bancário, da energia e do petróleo, além
da administração pública.
[Contato:
macolins@gmail.com]
Nenhum comentário:
Postar um comentário