As
mulheres na Matemática
(Artigo
organizado por Marcos Antônio Colins, professor de Matemática da
Rede Estadual de Ensino do Maranhão)
“Mas
quando uma pessoa pertencente ao sexo no qual, de acordo com nossos
costumes e preconceitos, é forçada a enfrentar infinitamente mais
dificuldades que os homens para familiarizar-se com essas pesquisas
dificílimas, e consegue, com êxito, penetrar nas partes mais
obscuras delas, tendo, para isso, de superar todas essas barreiras,
então essa pessoa tem, necessariamente, a mais nobre coragem, os
mais extraordinários talentos e uma genialidade superior.”
[Gauss,
numa carta a Sophie Germain, referindo-se ao trabalho dela.]
Na Matemática a
maioria das histórias que se contam são sobre matemáticos. Todos
os teoremas que conhecemos em nível de primeiro e segundo graus têm
nomes de matemáticos, e assim por diante, num etc. e tal
inteiramente masculino.
Em vista desse
fato é natural que nossos estudantes se perguntem:
“Sendo a
Matemática uma ciência tão antiga, será que só homens se
dedicaram a ela? Será que nenhuma mulher conseguiu registrar seu
nome na Matemática? Ou será que o pensamento matemático, com sua
abstração e lógica, é apenas compatível com o raciocínio
masculino, afastando as mulheres dessa área?”
Nosso objetivo
aqui é mostrar que as respostas a essas perguntas são negativas. De
acordo com nossas possibilidades tentaremos resgatar um pouco da
história feminina na Matemática. Detalharemos alguns fatos da
biografia de mulheres intrépidas e notáveis, que superaram
preconceitos, venceram obstáculos e conseguiram chegar, na
Matemática, onde poucos homens chegaram.
Antiguidade
Hipatia de
Alexandria
A primeira mulher
da qual nos chegou registro de ter trabalhado e escrito na área da
Matemática foi a grega Hipatia.
Ela
nasceu em Alexandria por volta do ano 370. Da sua formação, sabe-se
apenas que foi educada por seu pai, Teon, que trabalhava no famoso
Museu de Alexandria. Ele ficou conhecido por seus comentários sobre
o Almagesto
de Ptolomeu, e por uma edição revista dos Elementos de Euclides que
serviu de base às edições posteriores dessa obra. Apesar do fato
de nenhum fragmento de seus escritos ter sido preservado, parece que
ela deve ter ajudado seu pai nesse trabalho. Acredita-se também que
Hipatia escreveu comentários sobre As
Secções Cônicas
de Apolônio, a Aritmética de Diofanto e sobre o Almagesto.
Ela também inventou alguns aparelhos mecânicos e escreveu uma tábua
de astronomia.
Hipatia
destacou-se por sua beleza, eloquência e cultura. Tornou-se uma
filósofa conhecida, chegou a ser diretora da escola Neoplatônica de
Alexandria e ministrou aulas no Museu de Alexandria. Entretanto, sua
filosofia pagã (séculos depois ainda seria acusada de bruxa) e seu
prestígio suscitaram a inveja de seus opositores.
O fim dessa
mulher foi trágico e triste. Hipatia foi envolvida na disputa em que
se encontrava o poder político e o religioso de Alexandria e foi
acusada de não ter querido reconciliar as partes. Isso foi o
suficiente para incitar a fúria de uma turba de cristãos fanáticos.
Um dia, ao chegar em casa, Hipatia foi surpreendida por essa turba
enfurecida que a atacou, a despiu e esquartejou seu corpo, matando-a
de uma forma grotesca.
Com a funesta
morte de Hipatia, em 415, finda-se a gloriosa fase da Matemática
alexandrina.
Do século V
ao século XVIII
A Matemática na
Europa Ocidental entraria numa profunda estagnação, na qual nada
mais seria produzido durante mil anos!
Após a morte de
Hipatia existe um vazio de doze séculos em que o nome de nenhuma
mulher teve seu nome registrado na história da Matemática.
Convém
ressaltar, entretanto, que durante esse período, mulheres
colaboraram em cálculos astronômicos e vários matemáticos
famosos, tais como Viète, Descartes e Leibniz, foram convidados para
serem professores de algumas nobres em suas cortes.
Século XVIII
Maria Gaetana
Agnesi
Agnesi nasceu em
Milão, no ano de 1718. Garota precoce e inteligente, teve uma
educação esmerada preparada por seu pai, professor de Matemática
na Universidade de Bolonha. Ele apresentou sua filha nas reuniões
que organizava, onde se encontravam acadêmicos, cientistas e
intelectuais renomados. Já aos onze anos, falava latim e grego
perfeitamente, além de hebraico, francês, alemão e espanhol.
Agnesi conhecia a
Matemática moderna de sua época. Tinha estudado os trabalhos de
Newton, Leibniz, Euler, dos irmãos Bernoulli, de Fermat e de
Descartes, além de ser versada em Física e em vários outros ramos
da ciência.
Aos
20 anos ela publicou um tratado escrito em latim, Propositiones
Philosophicae,
no qual inseriu várias de suas teses e defendeu a educação
superior para mulheres.
Agnesi
passaria mais dez anos de sua vida dedicados ao estudo da Matemática
e escreveria sua obra magna, Instituzioni
Analitiche ad uso della Gioventú.
Esse foi um dos primeiros textos de Cálculo escrito de forma
didática. A obra consiste em quatro grandes volumes que abordam
tópicos de Álgebra, Geometria Analítica, Cálculo e Equações
Diferenciais. Os volumes, publicados em 1748, somam mais de 1000
páginas.
A notoriedade de
Agnesi espalhou-se rapidamente. Embora não fosse aceita na Academia
francesa, já que nem poderia ser indicada por ser mulher, a Academia
Bolonhesa de Ciência a aceitou como membro. Em 1749, o papa Benedito
XIV conferiu-lhe uma medalha de ouro e uma grinalda de flores de ouro
com pedras preciosas pela publicação de seu livro e a indicou como
professora de Matemática e Filosofia Natural da Universidade da
Bolonha – cátedra que nunca chegou a assumir, pois em 1752, após
a morte de seu pai, ela abandonou a Ciência e assumiu uma vida
religiosa.
Infelizmente
Agnesi, que muitos nem imaginam ser uma mulher, ficou apenas
conhecida por uma curva de terceiro grau, que leva seu nome, a
chamada “Curva de Agnesi”.
Sophie Germain
Sophie nasceu em
uma abastada família francesa, na cidade de Paris em abril de 1776.
Aos treze anos, enquanto na França explodia a Revolução, ela se
confinou na imensa biblioteca da família.
Após tornar-se
autodidata em Grego e Latim, estudou os trabalhos de Newton e de
Euler. A oposição de seus pais foi imediata. Eles fizeram de tudo
para persuadir a filha a não seguir a carreira matemática: tiraram
a luz do seu quarto, confiscaram o aquecedor..., mas Sophie,
persistente, continuava estudando à luz de velas, escondida embaixo
dos cobertores. Sua determinação foi tanta que derrotou a oposição
dos pais, que acabaram liberando seu acesso aos livros de Matemática
da família.
Em 1794, a até
hoje célebre École Polythecnique foi inaugurada em Paris, mas
Sophie não pôde cursá-la por ser mulher. Mesmo assim, conseguiu
umas notas de um curso de Análise que Lagrange acabara de ministrar
naquela instituição. Fingindo ser um dos alunos da École, sob o
pseudônimo de M. Le Blanc, Sophie submeteu a Lagrange umas notas que
tinha escrito sobre Análise. Lagrange ficou tão impressionado com o
artigo que procurou conhecer seu autor. Após descobrir a sua
verdadeira autoria, tornou-se, a partir daí, seu mentor matemático.
Em
1804, após estudar o Disquisitiones
Arithmeticae,
de Gauss, ainda escondida na figura de M. Le Blanc, ela começou a
corresponder-se com ele. Em 1807 as tropas de Napoleão invadiram
Hannover, uma cidade perto de onde Gauss estava. Temendo pela
segurança de Gauss, Sophie conseguiu obter de um general que
comandava o exército e era amigo da família, a promessa de mantê-lo
a salvo. Um enviado do general, ao chegar até Gauss, mencionou que
estava ali para protegê-lo, graças à intervenção de Mademoiselle
Germain. Criou-se uma enorme confusão na cabeça de Gauss, pois seu
correspondente francês era o senhor Le Blanc e não uma mulher
desconhecida. Após toda a verdade ser desvendada e os fatos
esclarecidos, Gauss escreveu a sua protetora uma carta de
agradecimento na qual externou seu espanto pela verdadeira identidade
do seu correspondente e aproveitou o ensejo para elogiar a coragem e
o talento de Sophie para estudar Matemática.
Sophie resolveu
alguns casos particulares do ‘Último Teorema de Fermat’ e em
1816 ganhou um concurso promovido pela Academia de Ciências da
França, resolvendo um problema que foi proposto na época sobre
vibrações de membranas. De suas pesquisas nessa área nasceu o
conceito de curvatura média de superfícies que é hoje objeto de
pesquisa de vários matemáticos na área de Geometria Diferencial e
suas ideias sobre elasticidade foram fundamentais na teoria geral da
elasticidade, criada posteriormente.
Além de
Matemática, Sophie estudou Química, Física, Geografia, História,
Psicologia e publicou dois volumes com seus trabalhos filosóficos.
Ela continuou trabalhando em Matemática e Filosofia até sua morte,
em 1831.
Século XIX
No final do século
passado, à custa de árduos esforços, as mulheres começaram a
estudar Matemática regularmente em algumas universidades e a obter
os primeiros graus de Doutoras em Matemática. Aos poucos os
preconceitos foram sendo quebrados.
Entre
as mulheres matemáticas que biografamos acima e as de hoje,
matemáticas profissionais, estão duas mulheres extraordinárias que
viveram entre o final do século passado e o começo deste,
verdadeiramente respeitadas como as “primeiras” matemáticas:
Sofia
Kovalevsky
e Emmy
Noether.
Suas biografias são admiráveis.
Amalie Emmy
Noether
Emmy
Noether
foi a filha mais velha de uma família judia de quatro filhos. Nasceu
em Erlangen, Alemanha, a 23 de março de 1882. Seu pai foi o eminente
matemático Max
Noether.
Após
concluir seus estudos básicos, ela optou por estudar Matemática. Já
sabemos que, naquela época, essa não era uma decisão fácil. Como
em outras universidades do mundo, a Universidade de Erlangen não
admitia mulheres como estudantes. Noether conseguiu obter autorização
para assistir aos cursos oferecidos pela Universidade apenas como
ouvinte. Após dois anos, ainda na mesma situação, ela seguiu para
a Universidade de Göttingen, onde teve a oportunidade de estudar com
os célebres matemáticos David
Hilbert,
Felix
Klein
e Hermann
Minkowski.
Finalmente, em
1904, após um semestre em Göttingen, a Universidade de Erlangen
mudou sua política universitária, aceitando que as mulheres
tivessem os mesmos direitos acadêmicos que os homens. Noether
retornou imediatamente a sua cidade natal e, em 1907, concluiu seu
doutorado.
Entretanto, ainda
não se admitiam mulheres como professoras nas universidades.
Noether, por algum tempo, e sem nenhum vínculo oficial, substituiu
seu pai, que estava com problemas de saúde, no Instituto de
Matemática de Erlangen.
Em 1909 foi
admitida na Sociedade Matemática Alemã e, em 1915, já com sua
reputação científica consolidada, foi convidada por Hilbert e
Klein para retornar a Göttingen e trabalhar com eles, e lá
permaneceu até 1933. No entanto, apenas em 1919 Noether pôde ser
admitida legalmente como professora, e somente em 1922 começou a
receber um salário. Antes disso, Hilbert, que tanto se esforçou
pela admissão de Noether como docente, divulgava como sendo seus os
cursos que ela lecionava!
Os nazistas, em
1933, destituíram Noether do seu cargo. Foram em vão os esforços
de vários matemáticos para mudar essa situação. Além de mulher e
judia, ela era membro do Partido Social Democrata. Felizmente, nesse
mesmo ano, ela recebeu convites para ir para Oxford, para o
Somerville College e para o Bryn Mawr College nos Estados Unidos.
Noether optou pelo último estabelecimento, talvez por sua reputação
de ter abrigado eminentes mulheres matemáticas. Pouco tempo depois,
começou a dar aulas também em Princeton. Sua estada nos Estados
Unidos durou pouco. Morreu em 14 de abril de 1935, após uma
complicada operação de um cisto no ovário.
A obra matemática
de Emmy Noether é original e profunda. Trabalhou especialmente em
Álgebra Abstrata, na teoria dos ideais e das álgebras
não-comutativas. Os módulos noetherianos foram assim chamados, em
sua homenagem. Ela deu as formulações matemáticas de vários
conceitos da Teoria Geral da Relatividade de Einstein. O próprio
Einstein, em 1918, numa carta a Hilbert, expressou sua admiração ao
penetrante pensamento matemático de Noether.
Foi
a única mulher a proferir uma palestra plenária no Congresso
Internacional de Zurique, em 1932. Juntamente com o matemático Emil
Artin
ganhou o Alfred
Ackermann-Teubner Memorial Prize
por seus trabalhos em Matemática.
Após
sua morte, matemáticos importantes não pouparam palavras para
elogiá-la. Segundo o matemático francês Jean
Dieudonné,
ela foi “[...] de longe, a melhor mulher matemática de todos os
tempos e, dentre homens ou mulheres, a maior matemática do século
XX”.
Um enigma
proposto por Ada Lovelace
Ada LOVELACE era o
nome de casada de Ada BYRON, filha do famoso poeta inglês Lord
BYRON.
Essa mulher do
século XIX (toda a sua vida decorreu durante esse século) foi uma
das mulheres mais sobressalientes da História da Matemática, famosa
sobretudo pelos seus trabalhos com Charles BABBAGE na invenção da
sua máquina de calcular.
Certo dia, ao lhe
perguntarem a idade, ela respondeu: “Se trocarmos a ordem dos seus
dois algarismos e elevarmos ao quadrado, obtem-se justamente o ano em
que estamos”. Em que ano teve lugar esta conversa? Em que ano
nasceu Ada BYRON?
[Contato:
macolins@gmail.com]
Nenhum comentário:
Postar um comentário