segunda-feira, 29 de julho de 2013

As mulheres na Matemática


As mulheres na Matemática
(Artigo organizado por Marcos Antônio Colins, professor de Matemática da Rede Estadual de Ensino do Maranhão)

Mas quando uma pessoa pertencente ao sexo no qual, de acordo com nossos costumes e preconceitos, é forçada a enfrentar infinitamente mais dificuldades que os homens para familiarizar-se com essas pesquisas dificílimas, e consegue, com êxito, penetrar nas partes mais obscuras delas, tendo, para isso, de superar todas essas barreiras, então essa pessoa tem, necessariamente, a mais nobre coragem, os mais extraordinários talentos e uma genialidade superior.”
[Gauss, numa carta a Sophie Germain, referindo-se ao trabalho dela.]

Na Matemática a maioria das histórias que se contam são sobre matemáticos. Todos os teoremas que conhecemos em nível de primeiro e segundo graus têm nomes de matemáticos, e assim por diante, num etc. e tal inteiramente masculino.
Em vista desse fato é natural que nossos estudantes se perguntem:
“Sendo a Matemática uma ciência tão antiga, será que só homens se dedicaram a ela? Será que nenhuma mulher conseguiu registrar seu nome na Matemática? Ou será que o pensamento matemático, com sua abstração e lógica, é apenas compatível com o raciocínio masculino, afastando as mulheres dessa área?”
Nosso objetivo aqui é mostrar que as respostas a essas perguntas são negativas. De acordo com nossas possibilidades tentaremos resgatar um pouco da história feminina na Matemática. Detalharemos alguns fatos da biografia de mulheres intrépidas e notáveis, que superaram preconceitos, venceram obstáculos e conseguiram chegar, na Matemática, onde poucos homens chegaram.

Antiguidade
Hipatia de Alexandria

A primeira mulher da qual nos chegou registro de ter trabalhado e escrito na área da Matemática foi a grega Hipatia.
Ela nasceu em Alexandria por volta do ano 370. Da sua formação, sabe-se apenas que foi educada por seu pai, Teon, que trabalhava no famoso Museu de Alexandria. Ele ficou conhecido por seus comentários sobre o Almagesto de Ptolomeu, e por uma edição revista dos Elementos de Euclides que serviu de base às edições posteriores dessa obra. Apesar do fato de nenhum fragmento de seus escritos ter sido preservado, parece que ela deve ter ajudado seu pai nesse trabalho. Acredita-se também que Hipatia escreveu comentários sobre As Secções Cônicas de Apolônio, a Aritmética de Diofanto e sobre o Almagesto. Ela também inventou alguns aparelhos mecânicos e escreveu uma tábua de astronomia.
Hipatia destacou-se por sua beleza, eloquência e cultura. Tornou-se uma filósofa conhecida, chegou a ser diretora da escola Neoplatônica de Alexandria e ministrou aulas no Museu de Alexandria. Entretanto, sua filosofia pagã (séculos depois ainda seria acusada de bruxa) e seu prestígio suscitaram a inveja de seus opositores.
O fim dessa mulher foi trágico e triste. Hipatia foi envolvida na disputa em que se encontrava o poder político e o religioso de Alexandria e foi acusada de não ter querido reconciliar as partes. Isso foi o suficiente para incitar a fúria de uma turba de cristãos fanáticos. Um dia, ao chegar em casa, Hipatia foi surpreendida por essa turba enfurecida que a atacou, a despiu e esquartejou seu corpo, matando-a de uma forma grotesca.
Com a funesta morte de Hipatia, em 415, finda-se a gloriosa fase da Matemática alexandrina.

Do século V ao século XVIII

A Matemática na Europa Ocidental entraria numa profunda estagnação, na qual nada mais seria produzido durante mil anos!
Após a morte de Hipatia existe um vazio de doze séculos em que o nome de nenhuma mulher teve seu nome registrado na história da Matemática.
Convém ressaltar, entretanto, que durante esse período, mulheres colaboraram em cálculos astronômicos e vários matemáticos famosos, tais como Viète, Descartes e Leibniz, foram convidados para serem professores de algumas nobres em suas cortes.

Século XVIII

Maria Gaetana Agnesi

Agnesi nasceu em Milão, no ano de 1718. Garota precoce e inteligente, teve uma educação esmerada preparada por seu pai, professor de Matemática na Universidade de Bolonha. Ele apresentou sua filha nas reuniões que organizava, onde se encontravam acadêmicos, cientistas e intelectuais renomados. Já aos onze anos, falava latim e grego perfeitamente, além de hebraico, francês, alemão e espanhol.
Agnesi conhecia a Matemática moderna de sua época. Tinha estudado os trabalhos de Newton, Leibniz, Euler, dos irmãos Bernoulli, de Fermat e de Descartes, além de ser versada em Física e em vários outros ramos da ciência.
Aos 20 anos ela publicou um tratado escrito em latim, Propositiones Philosophicae, no qual inseriu várias de suas teses e defendeu a educação superior para mulheres.
Agnesi passaria mais dez anos de sua vida dedicados ao estudo da Matemática e escreveria sua obra magna, Instituzioni Analitiche ad uso della Gioventú. Esse foi um dos primeiros textos de Cálculo escrito de forma didática. A obra consiste em quatro grandes volumes que abordam tópicos de Álgebra, Geometria Analítica, Cálculo e Equações Diferenciais. Os volumes, publicados em 1748, somam mais de 1000 páginas.
A notoriedade de Agnesi espalhou-se rapidamente. Embora não fosse aceita na Academia francesa, já que nem poderia ser indicada por ser mulher, a Academia Bolonhesa de Ciência a aceitou como membro. Em 1749, o papa Benedito XIV conferiu-lhe uma medalha de ouro e uma grinalda de flores de ouro com pedras preciosas pela publicação de seu livro e a indicou como professora de Matemática e Filosofia Natural da Universidade da Bolonha – cátedra que nunca chegou a assumir, pois em 1752, após a morte de seu pai, ela abandonou a Ciência e assumiu uma vida religiosa.
Infelizmente Agnesi, que muitos nem imaginam ser uma mulher, ficou apenas conhecida por uma curva de terceiro grau, que leva seu nome, a chamada “Curva de Agnesi”.

Sophie Germain

Sophie nasceu em uma abastada família francesa, na cidade de Paris em abril de 1776. Aos treze anos, enquanto na França explodia a Revolução, ela se confinou na imensa biblioteca da família.
Após tornar-se autodidata em Grego e Latim, estudou os trabalhos de Newton e de Euler. A oposição de seus pais foi imediata. Eles fizeram de tudo para persuadir a filha a não seguir a carreira matemática: tiraram a luz do seu quarto, confiscaram o aquecedor..., mas Sophie, persistente, continuava estudando à luz de velas, escondida embaixo dos cobertores. Sua determinação foi tanta que derrotou a oposição dos pais, que acabaram liberando seu acesso aos livros de Matemática da família.
Em 1794, a até hoje célebre École Polythecnique foi inaugurada em Paris, mas Sophie não pôde cursá-la por ser mulher. Mesmo assim, conseguiu umas notas de um curso de Análise que Lagrange acabara de ministrar naquela instituição. Fingindo ser um dos alunos da École, sob o pseudônimo de M. Le Blanc, Sophie submeteu a Lagrange umas notas que tinha escrito sobre Análise. Lagrange ficou tão impressionado com o artigo que procurou conhecer seu autor. Após descobrir a sua verdadeira autoria, tornou-se, a partir daí, seu mentor matemático.
Em 1804, após estudar o Disquisitiones Arithmeticae, de Gauss, ainda escondida na figura de M. Le Blanc, ela começou a corresponder-se com ele. Em 1807 as tropas de Napoleão invadiram Hannover, uma cidade perto de onde Gauss estava. Temendo pela segurança de Gauss, Sophie conseguiu obter de um general que comandava o exército e era amigo da família, a promessa de mantê-lo a salvo. Um enviado do general, ao chegar até Gauss, mencionou que estava ali para protegê-lo, graças à intervenção de Mademoiselle Germain. Criou-se uma enorme confusão na cabeça de Gauss, pois seu correspondente francês era o senhor Le Blanc e não uma mulher desconhecida. Após toda a verdade ser desvendada e os fatos esclarecidos, Gauss escreveu a sua protetora uma carta de agradecimento na qual externou seu espanto pela verdadeira identidade do seu correspondente e aproveitou o ensejo para elogiar a coragem e o talento de Sophie para estudar Matemática.
Sophie resolveu alguns casos particulares do ‘Último Teorema de Fermat’ e em 1816 ganhou um concurso promovido pela Academia de Ciências da França, resolvendo um problema que foi proposto na época sobre vibrações de membranas. De suas pesquisas nessa área nasceu o conceito de curvatura média de superfícies que é hoje objeto de pesquisa de vários matemáticos na área de Geometria Diferencial e suas ideias sobre elasticidade foram fundamentais na teoria geral da elasticidade, criada posteriormente.
Além de Matemática, Sophie estudou Química, Física, Geografia, História, Psicologia e publicou dois volumes com seus trabalhos filosóficos. Ela continuou trabalhando em Matemática e Filosofia até sua morte, em 1831.

Século XIX

No final do século passado, à custa de árduos esforços, as mulheres começaram a estudar Matemática regularmente em algumas universidades e a obter os primeiros graus de Doutoras em Matemática. Aos poucos os preconceitos foram sendo quebrados.
Entre as mulheres matemáticas que biografamos acima e as de hoje, matemáticas profissionais, estão duas mulheres extraordinárias que viveram entre o final do século passado e o começo deste, verdadeiramente respeitadas como as “primeiras” matemáticas: Sofia Kovalevsky e Emmy Noether. Suas biografias são admiráveis.

Amalie Emmy Noether

Emmy Noether foi a filha mais velha de uma família judia de quatro filhos. Nasceu em Erlangen, Alemanha, a 23 de março de 1882. Seu pai foi o eminente matemático Max Noether.
Após concluir seus estudos básicos, ela optou por estudar Matemática. Já sabemos que, naquela época, essa não era uma decisão fácil. Como em outras universidades do mundo, a Universidade de Erlangen não admitia mulheres como estudantes. Noether conseguiu obter autorização para assistir aos cursos oferecidos pela Universidade apenas como ouvinte. Após dois anos, ainda na mesma situação, ela seguiu para a Universidade de Göttingen, onde teve a oportunidade de estudar com os célebres matemáticos David Hilbert, Felix Klein e Hermann Minkowski.
Finalmente, em 1904, após um semestre em Göttingen, a Universidade de Erlangen mudou sua política universitária, aceitando que as mulheres tivessem os mesmos direitos acadêmicos que os homens. Noether retornou imediatamente a sua cidade natal e, em 1907, concluiu seu doutorado.
Entretanto, ainda não se admitiam mulheres como professoras nas universidades. Noether, por algum tempo, e sem nenhum vínculo oficial, substituiu seu pai, que estava com problemas de saúde, no Instituto de Matemática de Erlangen.
Em 1909 foi admitida na Sociedade Matemática Alemã e, em 1915, já com sua reputação científica consolidada, foi convidada por Hilbert e Klein para retornar a Göttingen e trabalhar com eles, e lá permaneceu até 1933. No entanto, apenas em 1919 Noether pôde ser admitida legalmente como professora, e somente em 1922 começou a receber um salário. Antes disso, Hilbert, que tanto se esforçou pela admissão de Noether como docente, divulgava como sendo seus os cursos que ela lecionava!
Os nazistas, em 1933, destituíram Noether do seu cargo. Foram em vão os esforços de vários matemáticos para mudar essa situação. Além de mulher e judia, ela era membro do Partido Social Democrata. Felizmente, nesse mesmo ano, ela recebeu convites para ir para Oxford, para o Somerville College e para o Bryn Mawr College nos Estados Unidos. Noether optou pelo último estabelecimento, talvez por sua reputação de ter abrigado eminentes mulheres matemáticas. Pouco tempo depois, começou a dar aulas também em Princeton. Sua estada nos Estados Unidos durou pouco. Morreu em 14 de abril de 1935, após uma complicada operação de um cisto no ovário.
A obra matemática de Emmy Noether é original e profunda. Trabalhou especialmente em Álgebra Abstrata, na teoria dos ideais e das álgebras não-comutativas. Os módulos noetherianos foram assim chamados, em sua homenagem. Ela deu as formulações matemáticas de vários conceitos da Teoria Geral da Relatividade de Einstein. O próprio Einstein, em 1918, numa carta a Hilbert, expressou sua admiração ao penetrante pensamento matemático de Noether.
Foi a única mulher a proferir uma palestra plenária no Congresso Internacional de Zurique, em 1932. Juntamente com o matemático Emil Artin ganhou o Alfred Ackermann-Teubner Memorial Prize por seus trabalhos em Matemática.
Após sua morte, matemáticos importantes não pouparam palavras para elogiá-la. Segundo o matemático francês Jean Dieudonné, ela foi “[...] de longe, a melhor mulher matemática de todos os tempos e, dentre homens ou mulheres, a maior matemática do século XX”.

Um enigma proposto por Ada Lovelace

Ada LOVELACE era o nome de casada de Ada BYRON, filha do famoso poeta inglês Lord BYRON.
Essa mulher do século XIX (toda a sua vida decorreu durante esse século) foi uma das mulheres mais sobressalientes da História da Matemática, famosa sobretudo pelos seus trabalhos com Charles BABBAGE na invenção da sua máquina de calcular.
Certo dia, ao lhe perguntarem a idade, ela respondeu: “Se trocarmos a ordem dos seus dois algarismos e elevarmos ao quadrado, obtem-se justamente o ano em que estamos”. Em que ano teve lugar esta conversa? Em que ano nasceu Ada BYRON?

[Contato: macolins@gmail.com]

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