segunda-feira, 29 de julho de 2013

Ensino de Ciências: caminhos conhecidos


Ensino de Ciências: caminhos conhecidos
(Artigo organizado por Marcos Antônio Colins, professor de Matemática da Rede Estadual de Ensino do Maranhão)

(...) A partir da escola infantil à Universidade, com escala pela educação primária e pela secundária, a ‘continuação ininterrupta de esforços criadores’ deve levar à formação da personalidade integral do aluno e ao desenvolvimento de sua faculdade produtora e de seu poder criador, pela aplicação, na escola, para a aquisição ativa de conhecimentos, dos mesmos métodos (observação, pesquisa, e experiência), que segue o espírito maduro, nas investigações científicas.”
[Manifesto dos Pioneiros da Educação Nova, 1932 – Anísio Teixeira, Fernando de Azevedo, Júlio de Mesquita Filho, Cecília Meirelles, e outros.]

O Brasil está entre os piores colocados na avaliação internacional de Ensino de Ciências, bem como de Leitura e de Matemática. Este resultado recente do exame internacional PISA, aplicado a alunos de 15 anos de idade em 57 países, não surpreende, só confirma o que os exames nacionais e internacionais já indicam há tempos.
O Brasil é um país de grande extensão territorial, onde se encontram sessenta milhões de alunos e um milhão de professores. A escolaridade insatisfatória dificulta o desenvolvimento cultural, social, político e econômico. Nas últimas décadas foi possível oferecer escola a quase todos os brasileiros em idade escolar, o que é um progresso notável. Entretanto, a desvalorização e a desorganização da profissão de professor, nos anos 70, não foram ainda compensados. A não existência de carreira e a suspensão de concursos públicos por vários anos atingiram o prestígio social da profissão, e se iniciou uma fase de rebaixamento de salários no mesmo momento em que se propunha a extensão do ciclo básico a toda a população. Assim, a qualidade da formação dos professores e dos ambientes escolares foi decaindo e, ainda hoje, deixa muito a desejar.
Para melhorar a Educação no país é necessário haver compromisso em todos os níveis de representação da sociedade, com clareza de objetivos quanto aos princípios de uma sociabilidade democrática e aos conteúdos a serem ensinados. Esperamos que, de empresários a trabalhadores, nos programas efetivos dos partidos políticos, nos governos federal, estadual e municipal em suas respectivas responsabilidades, façam planos e ações que visem ao longo prazo, junto às escolas e universidades. Programas iniciados hoje, mesmo aplicados como de emergência, só vão mostrar efeitos significativos dentro de dez anos de esforços contínuos.
Sem ações persistentes na formação de professores para o ensino de ciências, de leitura e de Matemática, não surpreende que a aprendizagem quase não tenha melhorado. Muitas escolas públicas, em alguns estados, desenvolvem bons projetos, mas são, muitas vezes, interrompidos e não atingem escala necessária para causar mudanças duradouras, mesmo em seus ambientes.
Há e houve ações significativas que se desenvolveram para atuar junto aos professores em exercício nas salas de aula ou na divulgação da ciência. Citamos somente algumas iniciativas e projetos, existem muitos outros exemplos que merecem ser estudados e retomados nas condições atuais.
Nos anos 1950 foi fundado o IBECC (Instituto Brasileiro de Educação, Ciência e Cultura) liderado, em São Paulo, pelo Professor da Universidade de São Paulo (USP), Isaias Raw, com apoio da UNESCO. O IBECC treinou professores e introduziu experimentos científicos nas escolas.
Essa atuação foi estendida a seis estados, do Rio Grande do Sul a Pernambuco, através de Centros de Ciências, criados pelo Ministério da Educação, em convênio com as Secretarias de Educação locais. O CECISP, em São Paulo, foi responsável, nos anos 1970, pela edição da série Os Cientistas, em que kits para realizar experimentos, acompanhados de folhetos com biografias de cientistas pioneiros, eram vendidos às centenas de milhares nas bancas de jornal, repercutindo na formação de estudantes. Foram frequentes os depoimentos de alunos que seguiram carreiras técnicas e científicas incentivados por essas experiências simples.
Na mesma época, equipes conjuntas de professores universitários e do ensino médio desenvolveram novos projetos curriculares de Física, Química, Biologia, Ciências, enfatizando a realização, pelos alunos, de experimentos e observações.
Nas sociedades científicas, como a Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência, a Sociedade Brasileira de Matemática, Sociedade Brasileira de Física, se originaram discussões e propostas. A Olimpíada de Matemática que, com apoio do Ministério de Educação, chega hoje a atingir milhões de alunos, a revista Ciência Hoje das Crianças, e a revista Física na Escola são outros exemplos da participação contínua dos cientistas.
A divulgação do conhecimento científico em jornais, revistas, Centros e Museus de Ciências existe, cresce, mas o alcance ainda é pequeno. Na televisão programas educativos de qualidade, como Telecurso 2000, Castelo Ra Tim Bum, na TV Cultura, com apoio da FIESP, não tiveram continuidade. A disseminação generalizada e a qualidade da televisão no Brasil poderiam gerar programas educacionais inspiradores e de grande repercussão.
A Academia Brasileira de Ciências (ABC), que congrega centenas de cientistas, eleitos por seus pares a cada ano, dentre os pesquisadores do país, acaba de redigir um documento de análise e de sugestões para enfrentar o desafio do ensino de ciências (ver www.abc.org.br). A Academia coordena, desde 2001, o Programa “ABC na Educação Científica – Mão na Massa” para ensino de ciências desde a primeira série escolar, articulado com a alfabetização. As crianças discutem questões como “O ar é invisível. Como demonstrar seus efeitos?”, planejam com o professor a realização de experimentos em classe para obter respostas. O Programa depende de a professora, ou o professor, conduzir a classe, com alunos trabalhando em grupos, registrando os resultados por escrito e em desenhos. A articulação da linguagem, aumento de vocabulário e, sobretudo, a socialização que se dá através de interações significativas entre os estudantes e com o professor reforçam o processo de alfabetização e o desenvolvimento da personalidade.
A perspectiva desse ensino remete ao Manifesto dos Pioneiros, na epígrafe deste artigo. A proposta atual é dos anos noventa, desenvolvida e teorizada nos Estados Unidos, depois na França e também no Brasil, e está sendo utilizada em dezenas de outros países, apoiada pelas respectivas Academias de Ciências. O programa é denominado, pela sua metodologia, Ensino de Ciências Baseado em Investigação, um título que os cientistas apreciam por indicar a postura básica de pesquisa, que caracteriza suas atividades. “Mão na Massa”, traduzido do francês “La main à la pâte”, ou do inglês “Hands On” também diz respeito às atividades de laboratório, à manipulação dos fenômenos, na cultura científica.
No Brasil há pólos piloto do Programa ABC na Educação Científica em vários estados, de Santa Catarina a Pernambuco. Os mais antigos estão nos estados de São Paulo (apoiados pela USP na Estação Ciência, na capital, e no Centro de Divulgação Científica e Cultural, em São Carlos) e Rio de Janeiro (apoiado pela Fundação Oswaldo Cruz). Um aspecto importante da aplicação do programa é haver sempre uma instituição universitária ou de pesquisa, colaborando com Secretaria de Educação local, para a formação dos professores para atividades em classe. Realiza-se um Seminário Nacional do Programa a cada ano. Em 2007 foi em Recife, no Espaço Ciência da Secretaria de Ciência e Tecnologia e Meio Ambiente de Pernambuco. Educadores de diferentes pólos trocaram experiências entre si, com representantes do Ministério e de Secretarias de Educação, e com professores da Argentina, Colômbia e França.
A formação de professores já em serviço nas escolas, nesse método – forte interação entre os participantes, mediatizada pelo professor; mãos que realizam as experiências, e ambiente livre para perguntas – demora alguns anos, tanto no Brasil como em outros países. Seria feita de maneira mais breve e completa já nos cursos de licenciatura, com disciplinas especiais, trabalhos em laboratório e experiências demonstrativas de fenômenos nas aulas teóricas.
Na década de 1930, na concretização do Manifesto dos Pioneiros, as Faculdades de Filosofia foram fundadas com dois objetivos: formar pesquisadores (bacharéis em várias áreas, filosofia, letras, ciências humanas e também ciências exatas e naturais) e professores (licenciados, nessas áreas). Causaram, em São Paulo, uma imediata melhoria no ensino médio, que na época, entretanto, abrangia poucas escolas, tanto particulares quanto públicas.
Em 1962 foram estabelecidos currículos mínimos para as licenciaturas, que juntavam conteúdos de ciências (cursos básicos do bacharelado) com disciplinas voltadas para a educação e disciplinas que reuniam conteúdo e metodologia de ensino como a Instrumentação para o Ensino de Física, que influiu positivamente na área de Física, em várias universidades. Importante também é a disciplina de Prática de Ensino em que os futuros professores vão às escolas.
Qualquer experiência ou inovação em educação mostra que os problemas são complexos e exigem perspectivas claras – valorização do trabalho dos professores e dos cursos de licenciatura – e múltiplas providências: planejamento e investimentos em gestão, equipamentos, manutenção (inclusive de laboratórios), novas construções e instalações nas escolas.
Também essenciais são as relações humanas que se estabelecem entre diretores (gestores), professores, pessoal administrativo e técnico, de segurança, de serviços, os estudantes e suas famílias, e a comunidade local.
Será a escola que se configura como núcleo de cultura, de conhecimento e participação social, numa sociedade com consciência democrática e solidária.

[Contato: macolins@gmail.com]

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