Ensino
de Ciências: caminhos conhecidos
(Artigo
organizado por Marcos Antônio Colins, professor de Matemática da
Rede Estadual de Ensino do Maranhão)
“(...)
A partir da escola infantil à Universidade, com escala pela educação
primária e pela secundária, a ‘continuação ininterrupta de
esforços criadores’ deve levar à formação da personalidade
integral do aluno e ao desenvolvimento de sua faculdade produtora e
de seu poder criador, pela aplicação, na escola, para a aquisição
ativa de conhecimentos, dos mesmos métodos (observação, pesquisa,
e experiência), que segue o espírito maduro, nas investigações
científicas.”
[Manifesto
dos Pioneiros da Educação Nova,
1932 – Anísio Teixeira, Fernando de Azevedo, Júlio de Mesquita
Filho, Cecília Meirelles, e outros.]
O Brasil está
entre os piores colocados na avaliação internacional de Ensino de
Ciências, bem como de Leitura e de Matemática. Este resultado
recente do exame internacional PISA, aplicado a alunos de 15 anos de
idade em 57 países, não surpreende, só confirma o que os exames
nacionais e internacionais já indicam há tempos.
O Brasil é um
país de grande extensão territorial, onde se encontram sessenta
milhões de alunos e um milhão de professores. A escolaridade
insatisfatória dificulta o desenvolvimento cultural, social,
político e econômico. Nas últimas décadas foi possível oferecer
escola a quase todos os brasileiros em idade escolar, o que é um
progresso notável. Entretanto, a desvalorização e a desorganização
da profissão de professor, nos anos 70, não foram ainda
compensados. A não existência de carreira e a suspensão de
concursos públicos por vários anos atingiram o prestígio social da
profissão, e se iniciou uma fase de rebaixamento de salários no
mesmo momento em que se propunha a extensão do ciclo básico a toda
a população. Assim, a qualidade da formação dos professores e dos
ambientes escolares foi decaindo e, ainda hoje, deixa muito a
desejar.
Para melhorar a
Educação no país é necessário haver compromisso em todos os
níveis de representação da sociedade, com clareza de objetivos
quanto aos princípios de uma sociabilidade democrática e aos
conteúdos a serem ensinados. Esperamos que, de empresários a
trabalhadores, nos programas efetivos dos partidos políticos, nos
governos federal, estadual e municipal em suas respectivas
responsabilidades, façam planos e ações que visem ao longo prazo,
junto às escolas e universidades. Programas iniciados hoje, mesmo
aplicados como de emergência, só vão mostrar efeitos
significativos dentro de dez anos de esforços contínuos.
Sem ações
persistentes na formação de professores para o ensino de ciências,
de leitura e de Matemática, não surpreende que a aprendizagem quase
não tenha melhorado. Muitas escolas públicas, em alguns estados,
desenvolvem bons projetos, mas são, muitas vezes, interrompidos e
não atingem escala necessária para causar mudanças duradouras,
mesmo em seus ambientes.
Há e houve ações
significativas que se desenvolveram para atuar junto aos professores
em exercício nas salas de aula ou na divulgação da ciência.
Citamos somente algumas iniciativas e projetos, existem muitos outros
exemplos que merecem ser estudados e retomados nas condições
atuais.
Nos anos 1950 foi
fundado o IBECC (Instituto Brasileiro de Educação, Ciência e
Cultura) liderado, em São Paulo, pelo Professor da Universidade de
São Paulo (USP), Isaias Raw, com apoio da UNESCO. O IBECC treinou
professores e introduziu experimentos científicos nas escolas.
Essa atuação
foi estendida a seis estados, do Rio Grande do Sul a Pernambuco,
através de Centros de Ciências, criados pelo Ministério da
Educação, em convênio com as Secretarias de Educação locais. O
CECISP, em São Paulo, foi responsável, nos anos 1970, pela edição
da série Os
Cientistas,
em que kits para realizar experimentos, acompanhados de folhetos com
biografias de cientistas pioneiros, eram vendidos às centenas de
milhares nas bancas de jornal, repercutindo na formação de
estudantes. Foram frequentes os depoimentos de alunos que seguiram
carreiras técnicas e científicas incentivados por essas
experiências simples.
Na mesma época,
equipes conjuntas de professores universitários e do ensino médio
desenvolveram novos projetos curriculares de Física, Química,
Biologia, Ciências, enfatizando a realização, pelos alunos, de
experimentos e observações.
Nas sociedades
científicas, como a Sociedade Brasileira para o Progresso da
Ciência, a Sociedade Brasileira de Matemática, Sociedade Brasileira
de Física, se originaram discussões e propostas. A Olimpíada de
Matemática que, com apoio do Ministério de Educação, chega hoje a
atingir milhões de alunos, a revista Ciência Hoje das Crianças, e
a revista Física na Escola são outros exemplos da participação
contínua dos cientistas.
A divulgação do
conhecimento científico em jornais, revistas, Centros e Museus de
Ciências existe, cresce, mas o alcance ainda é pequeno. Na
televisão programas educativos de qualidade, como Telecurso 2000,
Castelo Ra Tim Bum, na TV Cultura, com apoio da FIESP, não tiveram
continuidade. A disseminação generalizada e a qualidade da
televisão no Brasil poderiam gerar programas educacionais
inspiradores e de grande repercussão.
A Academia
Brasileira de Ciências (ABC), que congrega centenas de cientistas,
eleitos por seus pares a cada ano, dentre os pesquisadores do país,
acaba de redigir um documento de análise e de sugestões para
enfrentar o desafio do ensino de ciências (ver www.abc.org.br). A
Academia coordena, desde 2001, o Programa “ABC na Educação
Científica – Mão na Massa” para ensino de ciências desde a
primeira série escolar, articulado com a alfabetização. As
crianças discutem questões como “O ar é invisível. Como
demonstrar seus efeitos?”, planejam com o professor a realização
de experimentos em classe para obter respostas. O Programa depende de
a professora, ou o professor, conduzir a classe, com alunos
trabalhando em grupos, registrando os resultados por escrito e em
desenhos. A articulação da linguagem, aumento de vocabulário e,
sobretudo, a socialização que se dá através de interações
significativas entre os estudantes e com o professor reforçam o
processo de alfabetização e o desenvolvimento da personalidade.
A perspectiva
desse ensino remete ao Manifesto dos Pioneiros, na epígrafe deste
artigo. A proposta atual é dos anos noventa, desenvolvida e
teorizada nos Estados Unidos, depois na França e também no Brasil,
e está sendo utilizada em dezenas de outros países, apoiada pelas
respectivas Academias de Ciências. O programa é denominado, pela
sua metodologia, Ensino de Ciências Baseado em Investigação, um
título que os cientistas apreciam por indicar a postura básica de
pesquisa, que caracteriza suas atividades. “Mão na Massa”,
traduzido do francês “La main à la pâte”, ou do inglês “Hands
On” também diz respeito às atividades de laboratório, à
manipulação dos fenômenos, na cultura científica.
No Brasil há
pólos piloto do Programa ABC na Educação Científica em vários
estados, de Santa Catarina a Pernambuco. Os mais antigos estão nos
estados de São Paulo (apoiados pela USP na Estação Ciência, na
capital, e no Centro de Divulgação Científica e Cultural, em São
Carlos) e Rio de Janeiro (apoiado pela Fundação Oswaldo Cruz). Um
aspecto importante da aplicação do programa é haver sempre uma
instituição universitária ou de pesquisa, colaborando com
Secretaria de Educação local, para a formação dos professores
para atividades em classe. Realiza-se um Seminário Nacional do
Programa a cada ano. Em 2007 foi em Recife, no Espaço Ciência da
Secretaria de Ciência e Tecnologia e Meio Ambiente de Pernambuco.
Educadores de diferentes pólos trocaram experiências entre si, com
representantes do Ministério e de Secretarias de Educação, e com
professores da Argentina, Colômbia e França.
A formação de
professores já em serviço nas escolas, nesse método – forte
interação entre os participantes, mediatizada pelo professor; mãos
que realizam as experiências, e ambiente livre para perguntas –
demora alguns anos, tanto no Brasil como em outros países. Seria
feita de maneira mais breve e completa já nos cursos de
licenciatura, com disciplinas especiais, trabalhos em laboratório e
experiências demonstrativas de fenômenos nas aulas teóricas.
Na década de
1930, na concretização do Manifesto dos Pioneiros, as Faculdades de
Filosofia foram fundadas com dois objetivos: formar pesquisadores
(bacharéis em várias áreas, filosofia, letras, ciências humanas e
também ciências exatas e naturais) e professores (licenciados,
nessas áreas). Causaram, em São Paulo, uma imediata melhoria no
ensino médio, que na época, entretanto, abrangia poucas escolas,
tanto particulares quanto públicas.
Em 1962 foram
estabelecidos currículos mínimos para as licenciaturas, que
juntavam conteúdos de ciências (cursos básicos do bacharelado) com
disciplinas voltadas para a educação e disciplinas que reuniam
conteúdo e metodologia de ensino como a Instrumentação para o
Ensino de Física, que influiu positivamente na área de Física, em
várias universidades. Importante também é a disciplina de Prática
de Ensino em que os futuros professores vão às escolas.
Qualquer
experiência ou inovação em educação mostra que os problemas são
complexos e exigem perspectivas claras – valorização do trabalho
dos professores e dos cursos de licenciatura – e múltiplas
providências: planejamento e investimentos em gestão, equipamentos,
manutenção (inclusive de laboratórios), novas construções e
instalações nas escolas.
Também
essenciais são as relações humanas que se estabelecem entre
diretores (gestores), professores, pessoal administrativo e técnico,
de segurança, de serviços, os estudantes e suas famílias, e a
comunidade local.
Será a escola
que se configura como núcleo de cultura, de conhecimento e
participação social, numa sociedade com consciência democrática e
solidária.
[Contato:
macolins@gmail.com]
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