segunda-feira, 29 de julho de 2013

A Matemática no Ensino Médio


A Matemática no Ensino Médio
(Artigo organizado por Marcos Antônio Colins, professor de Matemática da Rede Estadual de Ensino do Maranhão)

Os alunos do Ensino Médio têm geralmente de 15 a 17 anos de idade. Eles já estão começando a pensar em suas futuras ocupações e, a essa altura, já possuem também uma certa noção de seus pontos fortes e suas predileções intelectuais. Ao mesmo tempo, o ambiente doméstico, a situação financeira da família e as inclinações pessoais passam a exercer forte influência na opção crucial que deverão fazer entre a preparação para a universidade ou o treinamento para o ingresso no mercado de trabalho.
A legislação brasileira admite a existência do Ensino Profissional, porém são muito poucas as escolas públicas que executam este tipo de ensino. O ingresso a essas escolas é duramente disputado. Como consequência da exigente seleção, os candidatos aprovados provêm, em sua maioria, de famílias com recursos suficientes para pagar cursos de preparação ao exame de admissão. E quase todos eles, ao final do curso, ingressam nas universidades. A lei inclusive ajuda esse disvirtuamento pois exige ao aluno dos cursos técnicos que esteja cursando simultaneamente, ou já tenha concluído o Ensino Médio. Isto faz com que o Ensino Médio nas escolas brasileiras seja único, sem modalidades diferenciadas, como se todos os alunos nesse nível tivessem a mesma vocação, os mesmos interesses e o mesmo projeto de ingressar na universidade.
Essa estrutura monolítica põe na mesma sala de aula alunos com diferentes motivações, capacidades díspares e objetivos os mais diversos. Consequentemente, o ensino é inadequado para todos.
Deixemos de lado as demais matérias e fixemos a atenção na Matemática. Ao concluir o último ano do Ensino Fundamental, o estudante foi exposto ao conhecimento matemático necessário a todos os cidadãos, conhecimento este acessível a qualquer indivíduo de inteligência mediana. A partir daí, como orientar os estudos matemáticos a nível da Escola Média?
O currículo de Matemática adotado no Ensino Médio brasileiro é essencialmente determinado pelos exames de ingresso nos cursos superiores das carreiras de Ciências Exatas e Tecnologia. Ele forma uma ponte, ligando os conhecimentos básicos aprendidos no Ensino Fundamental aos estudos avançados que serão feitos na universidade. A escolha dos assuntos é bem equilibrada e objetiva, não havendo omissões gritantes nem excessos escandalosos. O programa é bastante aceitável. Aliás, o conteúdo não difere substancialmente daquele adotado para alunos de mesma idade em muitos países europeus. O problema reside na execução. Esta deixa muito a desejar.
O professor de Matemática que atua no Ensino Médio tem a mesma formação universitária do seu colega que atua no Ensino Fundamental. Mas o grau de dificuldade da matéria que deve ensinar é bem maior. Como aquele colega, ele também não estudou muitos desses assuntos na faculdade e deve portanto guiar-se pelos livros didáticos existentes, particularmente aquele que adotou. Aqui recaímos outa vez na qualidade dos textos disponíveis.
Os livros didáticos de Matemática usados nas escolas de Ensino Fundamental apresentam deficiências no que diz respeito à objetividade, às aplicações, à oferta de problemas atraentes e ao uso do raciocínio dedutivo. Mas, de um modo geral, não apresentam graves erros matemáticos.
Infelizmente não se pode dizer o mesmo a respeito dos livros destinados ao Ensino Médio. Muitos deles apresentam sérios erros. Em um exame de textos (livros) feito pelo professor Elon Lages Lima, o mesmo afirma que nenhum deles (e foram muitos) estava inteiramente isento de afirmações falsas ou argumentos defeituosos.
Para ser justo, o professor Elon admite que alguns (lamentavelmente poucos) textos analisados continham um número reduzido de erros matemáticos. A maioria, porém, trazia definições, raciocínios, métodos de resolução de problemas e respostas inteiramente inadequados e até desprovidos de significado. E o que é mais sério: os livros com maior número de erros são os mais vendidos no país! Uma possível explicação para este paradoxo desagradável é que aqueles livros são simples, não exigem muito raciocínio, não contêm problemas difíceis e trazem a solução completa de todas a questões propostas, todas rotineiras. Esta possível razão do seu êxito comercial é também um indicador do nível médio dos professores do país, que preferem esses textos por não lhes causarem o embaraço de conterem problemas que não sabem resolver ou argumentos que não sabem explicar.
A enorme extensão territorial do Brasil abriga diferentes realidades sócio-econômicas e culturais. Há um acentuado desnível entre os profissionais de ensino que atuam nas melhores escolas das maiores cidades e a grande massa dos que lecionam nas escolas públicas espalhadas por todas as regiões nacionais. Essa grande diversidade cultural explica por que o país onde a maioria dos professores de Matemática do Ensino Médio prefere adotar livros cheios de erros seja também o país latino-americano cujos jovens estudantes tem obtido mais medalhas de ouro nas Olimpíadas Internacionais de Matemática (o Brasil ganhou seis; Argentina, Colômbia e Cuba já ganharam uma cada).
Por estranho qu pareça, os erros nos livros-texto não são o maior problema para o ensino da Matemática no nível médio. A natural competição entre as editoras e as advertências de leitores atentos deverão provocar revisões que, mais cedo ou mais tarde os corrigirão. Há, porém, uma dificuldade bem mais séria, difícil de remover, não somente porque isto implicaria em reformular todos esses livros como também reestruturar a formação dos professores e reciclar a maioria dos que estão em serviço atualmente.
É que a Matemática do Ensino Médio, conforme praticada nas escolas brasileiras, embora aborde temas relevantes, trata esses assuntos de maneira bastante insatisfatória, enfatizando aspectos manipulativos e fórmulas, deixando de lado interessantes aplicações e interpretações relevantes daqueles tópicos nas outras Ciências e no dia-a-dia da sociedade em que vive o jovem de hoje.
Os temas matemáticos estudados no Ensino Médio incluem assuntos que, embora tratados por métodos elementares (isto é, sem o uso do Cálculo Infinitesimal) se prestam a interessantes aplicações a problemas relevantes e atuais. São praticamente inesgotáveis as possibilidades de enriquecer os livros didáticos – e consequentemente as aulas – com uma variedade de situações corretas que requerem, para serem analisadas eficazmente, o emprego de logaritmos, sistemas lineares, análise combinatória, probabilidades, coordenadas no plano ou no espaço, somente para mencionar alguns exemplos de tópicos que são estudados no nível médio. Habitualmente, porém, os exercícios referentes a esses assuntos se limitam a práticas manipulativas, problemas artificiais ou mesmo aplicações que não têm mais cabimento hoje em dia. Por exemplo, alguns livros dedicam capítulos inteiros ao uso de logaritmos como instrumento de cálculo ou à dedução de inumeráveis e inúteis fórmulas trigonométricas, quando poderiam estar explorando as múltiplas e atraentes utilizações da função exponencial e das funções trigonométricas em problemas significativos da economia, da geografia, da saúde, da política etc.
A problemática da reorganização do ensino da Matemática a nível médio é uma preocupação mundial. Há vários anos ela tem sido objeto de estudos e propostas em vários países, que têm adotado diferentes soluções.
Tendo concluído os nove anos do Ensino Fundamental, o jovem que decidiu prosseguir seus estudos, ingressando no nível escolar imediatamente superior, tem basicamente duas opções: preparar-se para exercer uma profissão, ingressando, após mais três anos, no exigente mercado de trabalho da sociedade tecnológica moderna ou então ampliar e aprofundar seus conhecimentos científicos e humanísticos, bem como desenvolver sua capacidade de raciocínio e discernimento, habilitando-se, caso o deseje, a ingressar na universidade.
Correspondentemente, o Ensino Médio pode, em linhas gerais, ser organizado de três modos diferentes:
  1. O mesmo currículo – portanto a mesma escola – para todos os alunos. Este é o sistema brasileiro atual.
  2. A mesma escola, porém com currículos diferenciados, de acordo com as preferências e os objetivos individuais. Este é o sistema adotado nos Estados Unidos.
  3. Escolas diferentes, separadas conforme os objetivos dos alunos e seus rendimentos nos estudos anteriores. Este é o sistema vigente na Alemanha.
Cada uma dessas modalidades tem suas razões de ser e suas inconveniências.
O formato (1) apresenta uma indiscutível vantagem para o administrador, quer público quer privado, pela simplicidade de seu gerenciamento e pela perspectiva de maiores lucros para os proprietários de escolas. Seus defensores alegam ainda que é o sistema mais democrático, dando a todos as mesmas oportunidades e adiando por mais três anos a decisão crucial de cada jovem sobre seu futuro destino. O fato é, como a prática brasileira bem mostra, que essa organização do Ensino Médio conduz, em última análise, a uma homogenização estéril, prejudicial a todos.
A opção (2) é flexível, permitindo mudanças de rumo no decorrer do curso. Ela requer um núcleo comum obrigatório, a fim de evitar uma precoce especialização, a qual seria extremamente limitante na sociedade de hoje, onde as pessoas são cada vez mais levadas a mudarem de trabalho, adaptando-se à evolução tecnológica. Uma desvantagem deste formato é, do ponto de vista logístico, a complexidade da organização do calendário escolar e, principalmente, o alto custo para manter o sistema em pleno funcionamento. Do lado do aluno, esta modalidade organizacional prejudica aqueles que se decidiram pela formação profissional e pretendem ingressar cedo no mercado de trabalho.
Um exemplo mais notável de um sistema educacional organizado segundo o modelo (3) é o adotado na Alemanha. Naquele país, as escolas são todas estaduais e, após o Ensino Fundamental (Grundschule), os alunos são separados, de acordo com suas aptidões, em três escolas: a Hauptschule, que essencialmente prepara o que em inglês se chama os “blue collar workers”, a Realschule, que treina os “white collar workers” e o Gymnasium, que conduz à universidade. A separação se dá em torno dos 13 anos de idade. Este formato dificilmente poderia ser adotado num país latino e, mesmo na Alemanha, com a evolução do processo democrático, tem sofrido severas críticas, embora venha sendo utilizado com êxito material (e ligeiras modificações) há séculos.
No Brasil, a organização do Ensino Médio está sendo debatida pela sociedade, até mesmo por iniciativa do Ministério da Educação, o qual apresentou inicialmente uma proposta radical de separar os estudos nesse nível por setores, de acordo com a carreira que o aluno pretenda seguir na universidade. Essa proposta, que representa o extremo oposto da situação atual, tem os mais diversos inconvenientes, que vão desde a obrigação do jovem escolher sua carreira aos 15 anos até a implicação de que todos os alunos do Ensino Médio visam à universidade.
Seja qual for o modelo adotado pelo país para a reorganização do Ensino Médio, dever-se-á levar em conta que, a fim de atender às exigências da sociedade tecnológica moderna, às necessidades do mercado de trabalho, à penetração e à importância crescente das técnicas matemáticas em todos os ramos do conhecimento, além de capacitar-se plenamente para o exercício pleno da cidadania, todo aluno precisa, durante seus três anos do Ensino Médio, estudar Matemática.
Esse estudo, conforme praticado hoje, é quase inteiramente desligado da realidade, desprovido de atrativos e desafios interessantes, muito voltado para o formalismo algébrico, além de dividido em setores desconectados.
A fim de modificar esse estado de coisas, algumas ações se fazem necessárias:
  1. Reformular os currículos, o que equivale a dizer: alterar os formatos dos exames vestibulares, ou então suprimí-los inteiramente.
  2. Escrever novos livros didáticos que deem a cada tópico o destaque que ele merece; que contenham aplicações simples, relevantes e reveladoras dos assuntos estudados; que sejam breves e objetivos; que sejam inteligentes, contribuindo para desenvolver a capacidade de raciocínio do aluno de forma gradual e segura. Um bom modelo a imitar são os modernos textos escolares alemães, que enfatizam os exemplos concretos sem desprezar os argumentos logicamente corretos.
  3. Promover programas nacionais de reciclagem de longa duração para professores de nível médio. Uma tentativa elogiosa neste sentido está sendo feita pelo Ministério da Edução, mas tem prazo marcado para terminar e se ressente da falta de uma coordenação científica orientadora.
  4. Reestruturar os currículos das faculdades de formação de professores a fim de que eles aprendam na universidade a matéria que vão ensinar mais tarde na escola.

[Contato: macolins@gmail.com]

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