A
Matemática no Ensino Médio
(Artigo
organizado por Marcos Antônio Colins, professor de Matemática da
Rede Estadual de Ensino do Maranhão)
Os alunos do
Ensino Médio têm geralmente de 15 a 17 anos de idade. Eles já
estão começando a pensar em suas futuras ocupações e, a essa
altura, já possuem também uma certa noção de seus pontos fortes e
suas predileções intelectuais. Ao mesmo tempo, o ambiente
doméstico, a situação financeira da família e as inclinações
pessoais passam a exercer forte influência na opção crucial que
deverão fazer entre a preparação para a universidade ou o
treinamento para o ingresso no mercado de trabalho.
A legislação
brasileira admite a existência do Ensino Profissional, porém são
muito poucas as escolas públicas que executam este tipo de ensino. O
ingresso a essas escolas é duramente disputado. Como consequência
da exigente seleção, os candidatos aprovados provêm, em sua
maioria, de famílias com recursos suficientes para pagar cursos de
preparação ao exame de admissão. E quase todos eles, ao final do
curso, ingressam nas universidades. A lei inclusive ajuda esse
disvirtuamento pois exige ao aluno dos cursos técnicos que esteja
cursando simultaneamente, ou já tenha concluído o Ensino Médio.
Isto faz com que o Ensino Médio nas escolas brasileiras seja único,
sem modalidades diferenciadas, como se todos os alunos nesse nível
tivessem a mesma vocação, os mesmos interesses e o mesmo projeto de
ingressar na universidade.
Essa estrutura
monolítica põe na mesma sala de aula alunos com diferentes
motivações, capacidades díspares e objetivos os mais diversos.
Consequentemente, o ensino é inadequado para todos.
Deixemos de lado
as demais matérias e fixemos a atenção na Matemática. Ao concluir
o último ano do Ensino Fundamental, o estudante foi exposto ao
conhecimento matemático necessário a todos os cidadãos,
conhecimento este acessível a qualquer indivíduo de inteligência
mediana. A partir daí, como orientar os estudos matemáticos a nível
da Escola Média?
O currículo de
Matemática adotado no Ensino Médio brasileiro é essencialmente
determinado pelos exames de ingresso nos cursos superiores das
carreiras de Ciências Exatas e Tecnologia. Ele forma uma ponte,
ligando os conhecimentos básicos aprendidos no Ensino Fundamental
aos estudos avançados que serão feitos na universidade. A escolha
dos assuntos é bem equilibrada e objetiva, não havendo omissões
gritantes nem excessos escandalosos. O programa é bastante
aceitável. Aliás, o conteúdo não difere substancialmente daquele
adotado para alunos de mesma idade em muitos países europeus. O
problema reside na execução. Esta deixa muito a desejar.
O professor de
Matemática que atua no Ensino Médio tem a mesma formação
universitária do seu colega que atua no Ensino Fundamental. Mas o
grau de dificuldade da matéria que deve ensinar é bem maior. Como
aquele colega, ele também não estudou muitos desses assuntos na
faculdade e deve portanto guiar-se pelos livros didáticos
existentes, particularmente aquele que adotou. Aqui recaímos outa
vez na qualidade dos textos disponíveis.
Os livros
didáticos de Matemática usados nas escolas de Ensino Fundamental
apresentam deficiências no que diz respeito à objetividade, às
aplicações, à oferta de problemas atraentes e ao uso do raciocínio
dedutivo. Mas, de um modo geral, não apresentam graves erros
matemáticos.
Infelizmente não
se pode dizer o mesmo a respeito dos livros destinados ao Ensino
Médio. Muitos deles apresentam sérios erros. Em um exame de textos
(livros) feito pelo professor Elon Lages Lima, o mesmo afirma que
nenhum deles (e foram muitos) estava inteiramente isento de
afirmações falsas ou argumentos defeituosos.
Para ser justo, o
professor Elon admite que alguns (lamentavelmente poucos) textos
analisados continham um número reduzido de erros matemáticos. A
maioria, porém, trazia definições, raciocínios, métodos de
resolução de problemas e respostas inteiramente inadequados e até
desprovidos de significado. E o que é mais sério: os livros com
maior número de erros são os mais vendidos no país! Uma possível
explicação para este paradoxo desagradável é que aqueles livros
são simples, não exigem muito raciocínio, não contêm problemas
difíceis e trazem a solução completa de todas a questões
propostas, todas rotineiras. Esta possível razão do seu êxito
comercial é também um indicador do nível médio dos professores do
país, que preferem esses textos por não lhes causarem o embaraço
de conterem problemas que não sabem resolver ou argumentos que não
sabem explicar.
A enorme extensão
territorial do Brasil abriga diferentes realidades sócio-econômicas
e culturais. Há um acentuado desnível entre os profissionais de
ensino que atuam nas melhores escolas das maiores cidades e a grande
massa dos que lecionam nas escolas públicas espalhadas por todas as
regiões nacionais. Essa grande diversidade cultural explica por que
o país onde a maioria dos professores de Matemática do Ensino Médio
prefere adotar livros cheios de erros seja também o país
latino-americano cujos jovens estudantes tem obtido mais medalhas de
ouro nas Olimpíadas Internacionais de Matemática (o Brasil ganhou
seis; Argentina, Colômbia e Cuba já ganharam uma cada).
Por estranho qu
pareça, os erros nos livros-texto não são o maior problema para o
ensino da Matemática no nível médio. A natural competição entre
as editoras e as advertências de leitores atentos deverão provocar
revisões que, mais cedo ou mais tarde os corrigirão. Há, porém,
uma dificuldade bem mais séria, difícil de remover, não somente
porque isto implicaria em reformular todos esses livros como também
reestruturar a formação dos professores e reciclar a maioria dos
que estão em serviço atualmente.
É que a
Matemática do Ensino Médio, conforme praticada nas escolas
brasileiras, embora aborde temas relevantes, trata esses assuntos de
maneira bastante insatisfatória, enfatizando aspectos manipulativos
e fórmulas, deixando de lado interessantes aplicações e
interpretações relevantes daqueles tópicos nas outras Ciências e
no dia-a-dia da sociedade em que vive o jovem de hoje.
Os temas
matemáticos estudados no Ensino Médio incluem assuntos que, embora
tratados por métodos elementares (isto é, sem o uso do Cálculo
Infinitesimal) se prestam a interessantes aplicações a problemas
relevantes e atuais. São praticamente inesgotáveis as
possibilidades de enriquecer os livros didáticos – e
consequentemente as aulas – com uma variedade de situações
corretas que requerem, para serem analisadas eficazmente, o emprego
de logaritmos, sistemas lineares, análise combinatória,
probabilidades, coordenadas no plano ou no espaço, somente para
mencionar alguns exemplos de tópicos que são estudados no nível
médio. Habitualmente, porém, os exercícios referentes a esses
assuntos se limitam a práticas manipulativas, problemas artificiais
ou mesmo aplicações que não têm mais cabimento hoje em dia. Por
exemplo, alguns livros dedicam capítulos inteiros ao uso de
logaritmos como instrumento de cálculo ou à dedução de
inumeráveis e inúteis fórmulas trigonométricas, quando poderiam
estar explorando as múltiplas e atraentes utilizações da função
exponencial e das funções trigonométricas em problemas
significativos da economia, da geografia, da saúde, da política
etc.
A problemática
da reorganização do ensino da Matemática a nível médio é uma
preocupação mundial. Há vários anos ela tem sido objeto de
estudos e propostas em vários países, que têm adotado diferentes
soluções.
Tendo concluído
os nove anos do Ensino Fundamental, o jovem que decidiu prosseguir
seus estudos, ingressando no nível escolar imediatamente superior,
tem basicamente duas opções: preparar-se para exercer uma
profissão, ingressando, após mais três anos, no exigente mercado
de trabalho da sociedade tecnológica moderna ou então ampliar e
aprofundar seus conhecimentos científicos e humanísticos, bem como
desenvolver sua capacidade de raciocínio e discernimento,
habilitando-se, caso o deseje, a ingressar na universidade.
Correspondentemente,
o Ensino Médio pode, em linhas gerais, ser organizado de três modos
diferentes:
- O mesmo currículo – portanto a mesma escola – para todos os alunos. Este é o sistema brasileiro atual.
- A mesma escola, porém com currículos diferenciados, de acordo com as preferências e os objetivos individuais. Este é o sistema adotado nos Estados Unidos.
- Escolas diferentes, separadas conforme os objetivos dos alunos e seus rendimentos nos estudos anteriores. Este é o sistema vigente na Alemanha.
Cada uma dessas
modalidades tem suas razões de ser e suas inconveniências.
O formato (1)
apresenta uma indiscutível vantagem para o administrador, quer
público quer privado, pela simplicidade de seu gerenciamento e pela
perspectiva de maiores lucros para os proprietários de escolas. Seus
defensores alegam ainda que é o sistema mais democrático, dando a
todos as mesmas oportunidades e adiando por mais três anos a decisão
crucial de cada jovem sobre seu futuro destino. O fato é, como a
prática brasileira bem mostra, que essa organização do Ensino
Médio conduz, em última análise, a uma homogenização estéril,
prejudicial a todos.
A opção (2) é
flexível, permitindo mudanças de rumo no decorrer do curso. Ela
requer um núcleo comum obrigatório, a fim de evitar uma precoce
especialização, a qual seria extremamente limitante na sociedade de
hoje, onde as pessoas são cada vez mais levadas a mudarem de
trabalho, adaptando-se à evolução tecnológica. Uma desvantagem
deste formato é, do ponto de vista logístico, a complexidade da
organização do calendário escolar e, principalmente, o alto custo
para manter o sistema em pleno funcionamento. Do lado do aluno, esta
modalidade organizacional prejudica aqueles que se decidiram pela
formação profissional e pretendem ingressar cedo no mercado de
trabalho.
Um exemplo mais
notável de um sistema educacional organizado segundo o modelo (3) é
o adotado na Alemanha. Naquele país, as escolas são todas estaduais
e, após o Ensino Fundamental (Grundschule), os alunos são
separados, de acordo com suas aptidões, em três escolas: a
Hauptschule, que essencialmente prepara o que em inglês se chama os
“blue collar workers”, a Realschule, que treina os “white
collar workers” e o Gymnasium, que conduz à universidade. A
separação se dá em torno dos 13 anos de idade. Este formato
dificilmente poderia ser adotado num país latino e, mesmo na
Alemanha, com a evolução do processo democrático, tem sofrido
severas críticas, embora venha sendo utilizado com êxito material
(e ligeiras modificações) há séculos.
No Brasil, a
organização do Ensino Médio está sendo debatida pela sociedade,
até mesmo por iniciativa do Ministério da Educação, o qual
apresentou inicialmente uma proposta radical de separar os estudos
nesse nível por setores, de acordo com a carreira que o aluno
pretenda seguir na universidade. Essa proposta, que representa o
extremo oposto da situação atual, tem os mais diversos
inconvenientes, que vão desde a obrigação do jovem escolher sua
carreira aos 15 anos até a implicação de que todos os alunos do
Ensino Médio visam à universidade.
Seja qual for o
modelo adotado pelo país para a reorganização do Ensino Médio,
dever-se-á levar em conta que, a fim de atender às exigências da
sociedade tecnológica moderna, às necessidades do mercado de
trabalho, à penetração e à importância crescente das técnicas
matemáticas em todos os ramos do conhecimento, além de capacitar-se
plenamente para o exercício pleno da cidadania, todo aluno precisa,
durante seus três anos do Ensino Médio, estudar Matemática.
Esse estudo,
conforme praticado hoje, é quase inteiramente desligado da
realidade, desprovido de atrativos e desafios interessantes, muito
voltado para o formalismo algébrico, além de dividido em setores
desconectados.
A fim de
modificar esse estado de coisas, algumas ações se fazem
necessárias:
- Reformular os currículos, o que equivale a dizer: alterar os formatos dos exames vestibulares, ou então suprimí-los inteiramente.
- Escrever novos livros didáticos que deem a cada tópico o destaque que ele merece; que contenham aplicações simples, relevantes e reveladoras dos assuntos estudados; que sejam breves e objetivos; que sejam inteligentes, contribuindo para desenvolver a capacidade de raciocínio do aluno de forma gradual e segura. Um bom modelo a imitar são os modernos textos escolares alemães, que enfatizam os exemplos concretos sem desprezar os argumentos logicamente corretos.
- Promover programas nacionais de reciclagem de longa duração para professores de nível médio. Uma tentativa elogiosa neste sentido está sendo feita pelo Ministério da Edução, mas tem prazo marcado para terminar e se ressente da falta de uma coordenação científica orientadora.
- Reestruturar os currículos das faculdades de formação de professores a fim de que eles aprendam na universidade a matéria que vão ensinar mais tarde na escola.
[Contato:
macolins@gmail.com]
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