Deve-se
usar máquina calculadora na escola?
(Artigo
organizado por Marcos Antônio Colins, professor de Matemática da
Rede Estadual de Ensino do Maranhão)
Ao
fim do 4o
ano do Ensino Fundamental é absolutamente necessário que a criança
conheça de cor a tabuada e saiba efetuar manualmente as quatro
operações com números inteiros, com frações ordinárias e com
frações decimais. Uma vez conseguido este objetivo, não deve haver
oposição ao uso de máquinas, mais tarde, quando houver vantagem em
usá-las.
O surgimento das
calculadoras eletrônicas representa um enorme progresso na direção
da eficiência, precisão e rapidez nas contas, em quase todos os
segmentos da sociedade contemporânea. Seria impossível negar, ou
mesmo tentar diminuir a ênfase desta afirmação, pois o sucesso
comercial das máquinas prova eloquentemente sua utilidade.
Em consequência
disto, é natural que se procure introduzir as calculadoras na
Escola. Tal medida tem sido proposta e executada em nome de dois
princípios bastante aceitáveis. O primeiro é que a Escola deve
adaptar-se à vida atual, modernizar-se e adequar seus alunos à
sociedade em que vivem, na qual vão lutar pela vida. O segundo é
que o uso da máquina, liberando o aluno de longas, enfadonhas e
desnecessárias tarefas, deixa-o com mais tempo para aprimorar sua
capacidade de raciocinar e desenvolver-se mentalmente. Uma
consequência desta argumentação parece inevitável e tem, de fato,
sido defendida como norma a ser adotada: devem ser abolidas a tabuada
e as contas manuais. Use-se a máquina em lugar delas.
Mas não
incorramos no erro de tirar conclusões apressadas. As calculadoras
são extremamente eficazes para fazer contas, principalmente as
longas, as repetidas e as difíceis (como extrações de raízes).
Mas é bom que se tome conhecimento de algumas de suas desvantagens,
como as seguintes:
1) Uma calculadora
(salvo raros modelos especiais) só lida com frações decimais. Se
comermos dois terços de um bolo, a calculadora nos dirá que sobra
0,33333333 do bolo. Num universo em que as operações aritméticas
fossem todas feitas com auxílio dessas máquinas, não haveria lugar
para frações ordinárias. Uma operação simples como 3/7 – 2/7 =
1/7 seria escrita assim: 0,42857142 – 0,28571428 = 0,14285714.
Evidentemente, a
ideia de “um sétimo” é conceitualmente mais simples, mais fácil
de escrever, mais exata e muito mais acessível ao entendimento de
uma criança do que “0,14285714”. Logo, não creio haver dúvidas
quanto a permanência das frações ordinárias entre os assuntos que
nossos alunos aprendem (ou deveriam aprender) nas escolas. (Bem
entendido: não estamos propondo a supremacia absoluta das frações
ordinárias sobre as decimais, nem que estas sejam abolidas da
Escola. Cada uma delas tem seus méritos e sua hora de ser aprendida
e usada.)
2)
Os números que aparecem no mostrador de uma calculadora são valores
aproximados. Daí resulta que várias das regras usuais de cálculo
aritmético não são válidas para contas feitas com a máquina. Em
particular, quando multiplicamos x
por 1/x
não obtemos um resultado igual a 1, mas uma fração como
0,99999999. Pior do que isto: se n
for um inteiro muito grande, o produto de xn
por (1/x)n
pode resultar mais diferente de 1 ainda. Por exemplo, 232
vezes (1/2)32
na
máquina dá (aproximadamente) 0,9878. (Utilizamos aqui (1/2)32
aproximadamente igual a 0,00000000023.)
3)
Em Matemática e nas suas aplicações, mesmo as mais simples, há
necessidade de se representarem os números não apenas com
algarismos mas também com letras, seja em equações (como x/2
– 4x
= 1), seja em identidades (como (a
+ b)2
= a2
+ 2ab
+ b2),
seja em fórmulas (como A
= πr2).
As calculadoras não têm lugar para expressões literais, que
precisam ser operadas manualmente. Podemos facilmente imaginar a
perplexidade de um hipotético aluno que nunca aprendeu a tabuada,
com uma calculadora na mão, tentando multiplicar 2x
+ 3y
por 5x
– 8, ou efetuar a subtração 1/(a
– b)
– 1/(a
+ b).
Evidentemente, ele poderia fazer esta subtração sem saber tabuada,
mas nunca iria entender por que lhe ensinaram a fazer conta apenas
com letras, sendo proibido operar manualmente com algarismos.
4) Mesmo que não
existissem os defeitos apontados acima, haveria ainda a considerar
fatores socioeconômicos que inviabilizam o uso em larga escala das
calculadoras. A grande maioria dos alunos de primeiro e segundo grau
no Brasil não têm condições financeiras para comprar calculadoras
ou baterias para fazê-las funcionar, nem para substituí-las quando
perdem ou se quebram.
Memorizar a
tabuada e as regras de cálculo aritmético, quando se é jovem e se
tem a memória fresca, é adquirir uma habilidade a mais, aprender a
efetuar um ato mecânico, como andar de bicicleta, que não atrapalha
em nada mas pode ser útil em várias ocasiões. Isto sem falar no
aspecto educativo, na disciplina mental, na ordem e na atenção
necessárias a essas operações, as quais podem vir a constituir-se
em hábitos de trabalho quando transferidas a outras situações.
Mais tarde,
principalmente a partir do Ensino Médio, quando já domina com
proficiência as operações e suas regras, quando os cálculos
numéricos são meros auxiliares no estudo de outras teorias, quando
quer evitar uma grande e desnecessária perda de tempo com cálculos
prolongados, o aluno pode vir a utilizar a calculadora, em seu
próprio proveito, e em prol do melhor aproveitamento nos estudos.
Mas é preciso primeiro verificar se isto não constitui mais uma
discriminação contra os menos dotados financeiramente, que poderão
ter rendimento inferior, não por culpa de sua deficiência
intelectual, mas por falta de condições para adquirir uma máquina.
[Contato:
macolins@gmail.com]
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