segunda-feira, 29 de julho de 2013

A força da linguagem (Pensamento e palavras unidos explicam a realidade)


A força da linguagem
(Pensamento e palavras unidos explicam a realidade)
(Artigo organizado por Marcos Antônio Colins, professor de Matemática da Rede Estadual de Ensino do Maranhão)

Um dos grandes saltos evolutivos do homem se deu quando ele adquiriu a linguagem, ou seja, quando aprendeu a verbalizar seus pensamentos. É por meio das palavras que o ser humano pensa. A generalização e a abstração só se dão pela linguagem e com base nelas melhor compreendemos e organizamos o mundo à nossa volta. Um dos maiores estudiosos sobre essa habilidade humana foi o psicólogo bielorrusso Lev Vygotsky (1896-1934), que em meados dos anos 1920 criou o conceito de pensamento verbal.
Para Vygotsky, pensamento verbal é a capacidade humana de unir a linguagem ao pensamento para organizar a realidade. Para ele, o pensamento deixa de ser biológico, como o dos primatas, para se tornar histórico-social, diferenciando o homem dos animais. Sua principal marca é a construção dos significados das palavras. Ele surge por volta dos 2 anos de idade, quando a criança passa a dominar a fala e construir seus conceitos sobre os objetos.
Vygotsky dedicou anos de estudo para compreender as relações entre o pensamento e a linguagem – e esse foi um dos maiores acertos de seu trabalho. Até então, os estudos sobre o tema buscavam dissecar (isto é, analisar minuciosamente) os dois conceitos isoladamente. De acordo com João Batista Martins, professor da Universidade Estadual de Londrina (UEL), entender o desenvolvimento humano desmontando as partes que o constituem é errado. “Vygotsky reconhecia a independência dos elementos, mas afirmava que o caminho era compreender como um se comporta em relação ao outro, como eles interagem em suas fases iniciais”, explica o professor Martins.
Para compreender essas relações, Vygotsky buscou analisar o desenvolvimento da criança. Para ele, mesmo antes de dominar a linguagem, ela demonstra capacidade de resolver problemas práticos, de utilizar instrumentos e meios para atingir objetivos. É o que o pesquisador chamou de fase pré-verbal do pensamento. Ela é capaz, por exemplo, de dar a volta no sofá para pegar um brinquedo que caiu atrás dele e que não está à vista. Esse conhecimento prático independe da linguagem e é considerado uma inteligência primária, também encontrada em primatas como o macaco-prego, que usa varetas para cutucar árvores à procura de mel e larvas de insetos.
Embora não dominem a linguagem como um sistema simbólico, os pequenos também utilizam manifestações verbais. O choro e o riso têm a manifestação de alívio emocional, mas também servem como meio de contato social e de comunicação. É o que Vygotsky chamou de fase pré-intelectual da linguagem. Essas fases podem ser associadas ao período sensório-motor descrito pelo psicólogo suíço Jean Piaget (1896-1980), no qual a ação da criança no mundo é fita por maio de sensações e movimentos, sem a mediação de representações simbólicas. “É a fase na qual a criança depende de sentidos como a visão para atuar no mundo e se manifesta exclusivamente por meio de seus gestos, ligados à inteligência prática”, diz o professor Martins.
Por volta dos 2 anos de idade, o percurso do pensamento encontra-se com o da linguagem e o cérebro começa a funcionar de uma nova forma. A fala torna-se intelectual, com função simbólica, generalizante, e o pensamento torna-se verbal, mediados por conceitos relacionados à linguagem.
No livro Vygotsky – Aprendizado e Desenvolvimento, um Processo Sócio-Histórico, Marta Kohl, professora da Universidade de São Paulo (USP), afirma que o significado das palavras têm papel central: é nele que pensamento e linguagem se unem. Para Vygotsky, os significados apresentam dois componentes: o primeiro diz respeito à acepção (isto é, à significação) propriamente dita, capaz de fornecer os conceitos e as formas de organização básicas. Por exemplo, a palavra cachorro: ela denomina um tipo específico de animal do mundo real. Mesmo que as experiências e a compreensão das pessoas sobre determinado elemento sejam distintos, de imediato o conceito de cachorro será adequadamente entendido por qualquer pessoa de um grupo que fale o mesmo idioma.
O segundo componente é o sentido. Mais complexo, é o que a palavra representa para cada pessoa e é composto da vivência individual. Vygotsky pretendeu ir além da dimensão cognitiva e inscreve a criança em seu universo social, relacionando afetividade ao processo de construção dos significados. Desse modo, concluiu que para uma pessoa traumatizada com algum episódio em que foi atacada por um cachorro, por exemplo, dará à palavra uma acepção (ou significação) diferente e absolutamente particular – agressão, medo, dor, raiva ou violência, por exemplo.
O sentido também está relacionado ao intercâmbio social. Quando vários membros de um mesmo grupo se relacionam, eles atribuem, com base nessas relações, interpretações diferentes às palavras. É isso o que ocorre na escola. Ao começar a frequentá-la, a criança recebe a intervenção do educador, o que fará com que a transformação do significado se dê não mais apenas pela experiência vivida, mas por definições, ordenações referências já consolidadas em sua cultura. Assim, ela não vai só aprender que a Lua é diferente de uma lâmpada – em algum momento da vivência com qualquer indivíduo mais velho -, como também acrescerá outros sentidos às palavras, entendendo que a Lua é um satélite, que gira em torno da Terra, que é diferente das estrelas e daí em diante. “Esse é um processo que nunca acaba, que continua ocorrendo até deixarmos de existir”, conclui o professor Martins.

[Contato: macolins@gmail.com]

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