A
força da linguagem
(Pensamento
e palavras unidos explicam a realidade)
(Artigo
organizado por Marcos Antônio Colins, professor de Matemática da
Rede Estadual de Ensino do Maranhão)
Um dos grandes
saltos evolutivos do homem se deu quando ele adquiriu a linguagem, ou
seja, quando aprendeu a verbalizar seus pensamentos. É por meio das
palavras que o ser humano pensa. A generalização e a abstração só
se dão pela linguagem e com base nelas melhor compreendemos e
organizamos o mundo à nossa volta. Um dos maiores estudiosos sobre
essa habilidade humana foi o psicólogo bielorrusso Lev Vygotsky
(1896-1934), que em meados dos anos 1920 criou o conceito de
pensamento verbal.
Para Vygotsky,
pensamento verbal é a capacidade humana de unir a linguagem ao
pensamento para organizar a realidade. Para ele, o pensamento deixa
de ser biológico, como o dos primatas, para se tornar
histórico-social, diferenciando o homem dos animais. Sua principal
marca é a construção dos significados das palavras. Ele surge por
volta dos 2 anos de idade, quando a criança passa a dominar a fala e
construir seus conceitos sobre os objetos.
Vygotsky dedicou
anos de estudo para compreender as relações entre o pensamento e a
linguagem – e esse foi um dos maiores acertos de seu trabalho. Até
então, os estudos sobre o tema buscavam dissecar (isto é, analisar
minuciosamente) os dois conceitos isoladamente. De acordo com João
Batista Martins, professor da Universidade Estadual de Londrina
(UEL), entender o desenvolvimento humano desmontando as partes que o
constituem é errado. “Vygotsky reconhecia a independência dos
elementos, mas afirmava que o caminho era compreender como um se
comporta em relação ao outro, como eles interagem em suas fases
iniciais”, explica o professor Martins.
Para compreender
essas relações, Vygotsky buscou analisar o desenvolvimento da
criança. Para ele, mesmo antes de dominar a linguagem, ela demonstra
capacidade de resolver problemas práticos, de utilizar instrumentos
e meios para atingir objetivos. É o que o pesquisador chamou de fase
pré-verbal do pensamento. Ela é capaz, por exemplo, de dar a volta
no sofá para pegar um brinquedo que caiu atrás dele e que não está
à vista. Esse conhecimento prático independe da linguagem e é
considerado uma inteligência primária, também encontrada em
primatas como o macaco-prego, que usa varetas para cutucar árvores à
procura de mel e larvas de insetos.
Embora não
dominem a linguagem como um sistema simbólico, os pequenos também
utilizam manifestações verbais. O choro e o riso têm a
manifestação de alívio emocional, mas também servem como meio de
contato social e de comunicação. É o que Vygotsky chamou de fase
pré-intelectual da linguagem. Essas fases podem ser associadas ao
período sensório-motor descrito pelo psicólogo suíço Jean
Piaget (1896-1980), no qual a ação da criança no mundo é fita por
maio de sensações e movimentos, sem a mediação de representações
simbólicas. “É a fase na qual a criança depende de sentidos como
a visão para atuar no mundo e se manifesta exclusivamente por meio
de seus gestos, ligados à inteligência prática”, diz o professor
Martins.
Por volta dos 2
anos de idade, o percurso do pensamento encontra-se com o da
linguagem e o cérebro começa a funcionar de uma nova forma. A fala
torna-se intelectual, com função simbólica, generalizante, e o
pensamento torna-se verbal, mediados por conceitos relacionados à
linguagem.
No
livro Vygotsky
– Aprendizado e Desenvolvimento, um Processo Sócio-Histórico,
Marta
Kohl,
professora da Universidade de São Paulo (USP), afirma que o
significado das palavras têm papel central: é nele que pensamento e
linguagem se unem. Para Vygotsky, os significados apresentam dois
componentes: o primeiro diz respeito à acepção (isto é, à
significação) propriamente dita, capaz de fornecer os conceitos e
as formas de organização básicas. Por exemplo, a palavra cachorro:
ela denomina um tipo específico de animal do mundo real. Mesmo que
as experiências e a compreensão das pessoas sobre determinado
elemento sejam distintos, de imediato o conceito de cachorro será
adequadamente entendido por qualquer pessoa de um grupo que fale o
mesmo idioma.
O segundo
componente é o sentido. Mais complexo, é o que a palavra representa
para cada pessoa e é composto da vivência individual. Vygotsky
pretendeu ir além da dimensão cognitiva e inscreve a criança em
seu universo social, relacionando afetividade ao processo de
construção dos significados. Desse modo, concluiu que para uma
pessoa traumatizada com algum episódio em que foi atacada por um
cachorro, por exemplo, dará à palavra uma acepção (ou
significação) diferente e absolutamente particular – agressão,
medo, dor, raiva ou violência, por exemplo.
O sentido também
está relacionado ao intercâmbio social. Quando vários membros de
um mesmo grupo se relacionam, eles atribuem, com base nessas
relações, interpretações diferentes às palavras. É isso o que
ocorre na escola. Ao começar a frequentá-la, a criança recebe a
intervenção do educador, o que fará com que a transformação do
significado se dê não mais apenas pela experiência vivida, mas por
definições, ordenações referências já consolidadas em sua
cultura. Assim, ela não vai só aprender que a Lua é diferente de
uma lâmpada – em algum momento da vivência com qualquer indivíduo
mais velho -, como também acrescerá outros sentidos às palavras,
entendendo que a Lua é um satélite, que gira em torno da Terra, que
é diferente das estrelas e daí em diante. “Esse é um processo
que nunca acaba, que continua ocorrendo até deixarmos de existir”,
conclui o professor Martins.
[Contato:
macolins@gmail.com]
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