Matemática
descomplicada
(Entrevista
com a diretora acadêmica da OBMEP, Suely Druck)
(Artigo
organizado por Marcos Antônio Colins, professor de Matemática da
Rede Estadual de Ensino do Maranhão)
Doutora em
Matemática pela Pontifícia Universidade Católica do Rio de
Janeiro, com pós-doutorado pela Université de Paris, Suely Druck é
professora da Universidade Federal Fluminense (UFF).
Idealizadora e
atual diretora acadêmica da Olimpíada Brasileira de Matemática das
Escolas Públicas (OBMEP), ela integra o Conselho Técnico-Científico
de Educação Básica da Capes, o Comitê de Planejamento em Educação
Matemática (ICSU-LAC) e o Conselho Diretor da Sociedade Brasileira
de Matemática. Exerceu o cargo de presidente da Sociedade Brasileira
de Matemática por dois mandatos.
Leia abaixo a
entrevista de Suely Druck ao Jornal do Professor.
P.
são as perguntas feitas e R.
são as respostas da professora Suely.
P.
A matemática é uma disciplina muito temida, motivo de pânico entre
muitos alunos. Ela é mesmo difícil? A que se deve essa má fama?
R. Deve
ficar claro que o problema com a Matemática é universal e não é
uma questão só brasileira. Não há nada de errado com nossas
crianças, a Matemática é a disciplina mais temida em todo o mundo.
A Matemática se distingue de outras disciplinas por três aspectos,
que talvez a tornem mais difícil. Primeiro ela demanda atenção e
concentração, o que não é muito fácil com crianças, é preciso
aulas interessantes que desafiem a inteligência delas e agucem sua
curiosidade – isso não está acontecendo em muitas salas de aula.
Em segundo lugar, a Matemática é sequencial, principalmente do 1º
ao 9º ano (1ª a 8ª série), assim um assunto que não foi bem
aprendido cria dificuldades para o aprendizado de assuntos
posteriores. Em terceiro lugar, a Matemática é a única ciência
que as crianças têm que compreender sua teoria desde a mais tenra
infância: por exemplo, elas devem entender aos seis anos o sistema
decimal, senão não vão aprender a contar, que é uma das primeiras
atividades matemáticas que as crianças desenvolvem. Por esses três
aspectos deve haver atenção especial ao ensiná-la.
P. Desde
que começou a participar do Programa Internacional de Avaliação de
Alunos (Pisa), no ano 2000, a situação do Brasil teve uma pequena
melhora na área da Matemática: o índice de 334 passou para 370 em
2006. Mesmo assim, entre 57 países avaliados, nosso país ocupa a
53ª posição em Matemática. Qual a razão desse baixo desempenho?
R. Os
motivos são vários, a começar pela situação dos professores; em
geral mal preparados, mal remunerados e trabalhando em condições
que em nada motivam a boa qualidade. Quando me voltei para a questão
do ensino escolar, fiquei realmente muito chocada com o isolamento
acadêmico que vivem nossos professores. Por outro lado, não há um
esclarecimento aos jovens de que uma boa formação em Matemática é
um valor e pode fazer uma enorme diferença em suas vidas. Como optar
por carreiras científicas e tecnológicas, se a maioria hoje tem
base matemática? Como eles podem ser partícipes do desenvolvimento
científico e tecnológico do país sem saber Matemática? O país
precisa dizer aos seus jovens que é preciso que eles estudem
Matemática, sentir que através dessa área do conhecimento eles
podem se inserir num projeto nacional de desenvolvimento; isso já
seria uma grande motivação.
P. Qual a
solução para esse problema?
R.
Projetos
nacionais que impactem e distingam a Matemática, como por exemplo a
Olimpíada Brasileira de Matemática das Escolas Públicas (OBMEP),
que em 2009 teve mais de 19
milhões de alunos inscritos. Qual seria um projeto similar para os
professores de Matemática? Como estancar o derrame de professores
mal formados no mercado escolar? Como motivar bons alunos a seguir o
magistério em Matemática? Por que as escolas federais são de boa
qualidade, e isso não ocorre com a grande maioria das escolas
municipais e estaduais? Essas e outras perguntas precisam de
respostas urgentes. O MEC tem tomado boas iniciativas, mas os
resultados ainda vão demorar. Em educação quase tudo é a médio
ou longo prazo. Acredito que projetos de grande impacto podem
acelerar os resultados – existem bons exemplos disso em nosso país.
P. A
pesquisa acadêmica brasileira na área de Matemática tem
reconhecimento internacional. A que se pode atribuir isso?
R. A
pesquisa em Matemática no Brasil foi criada com exigências de
excelência na formação e atuação de seus pesquisadores; e essa
exigência se mantém até hoje – os comitês de Matemática nas
agências de fomento são conhecidos por seu alto nível de
exigência. Isso garantiu e garante até hoje a boa qualidade da
pesquisa em Matemática no Brasil, que nos levou a sermos promovidos
ao Grupo IV – o segundo em excelência internacional na área de
pesquisa – pela International
Math Union.
Para mim, foi um privilégio ser a presidente da Sociedade Brasileira
de Matemática por ocasião dessa promoção.
P. Que
tipo de cooperação as universidades e instituições de pesquisa
podem oferecer às escolas de Ensino Fundamental e Médio, no sentido
de disseminar o conhecimento da Matemática?
R.
Acredito
que somente as universidades públicas serão capazes de resolver o
problema do ensino da Matemática na rede escolar. Elas detêm o
conhecimento que precisa ser repassado ao Ensino Médio e
Fundamental, e são as únicas instituições em condições para
isso. Já existem boas iniciativas em várias dessas universidades –
bons cursos de licenciatura e de aprimoramento de professores, mas
ainda é um trabalho bastante restrito frente à demanda do país. Os
institutos de pesquisa obviamente também detêm o conhecimento
matemático, mas por sua própria natureza têm atuação mais
restrita nessa área. Por outro lado eles podem colaborar também,
principalmente concedendo sua chancela a iniciativas de excelência e
colaborando na divulgação da Matemática em nível de iniciação
científica.
P. Como se
deve ensinar Matemática? Existe um segredo para o ensino desta
disciplina ou ela é fácil de ser ensinada?
R. Em
primeiríssimo lugar, conhecendo-a profundamente, sua teoria,
aplicações e técnicas. Somente assim será possível ensiná-la de
modo interessante, desafiador e que desperte a curiosidade das
crianças. Um professor deve conhecê-la tão bem que seja capaz de
abordar o mesmo tópico de várias maneiras diferentes, para alunos
com perfis diferentes. Para as crianças, acredito que conhecimentos
pedagógicos são uma boa ferramenta, mas em nível de graduação
eles já não têm tanta importância. O segredo de ensinar bem a
Matemática é conhecê-la muito bem, é gostar de desafiar os
alunos, é vibrar quando eles apresentam boas soluções, é gostar
de resolver problemas e entender que esse é o papel principal da
Matemática, é saber para que ela serve no contexto de
desenvolvimento científico e como ela pode ser utilizada para o
bem-estar dos cidadãos, e finalmente o mais importante: é gostar
MUITO de Matemática.
P. Como a
senhora avalia o ensino da Matemática no Brasil (tanto no ensino
básico quanto na graduação)?
R. No
ensino básico o ensino da Matemática é sofrível em geral, exceção
feita às escolas federais que fazem um ótimo trabalho e a poucas
escolas particulares. Fora isso há poucas outras exceções.
Infelizmente essa situação vem condenando milhões de jovens
brasileiros a não ter nem poder sonhar com um futuro interessante e
produtivo para ele e para o nosso país. Na graduação a situação
é similar, a grande maioria dos professores de Matemática está
sendo formada em faculdades particulares em sua maioria de baixa
qualidade acadêmica. Já as universidades públicas vêm fazendo um
bom trabalho na graduação em Matemática. No entanto, não podemos
ser pessimistas, essa situação pode ser mudada. É preciso que nos
empenhemos com competência e que tenhamos a excelência como meta e
valor principal na educação. É também importante que saibamos
distinguir aqueles que querem a mudança e que estão dispostos a
trabalhar por ela; eles são muitos, mas não são todos.
P. Que
análise a senhora faz do ensino da Matemática em outros países,
comparativamente com o Brasil?
R. A
situação de inferioridade do ensino da Matemática no Brasil frente
a países que têm boa educação pública vem sendo amplamente
divulgada em nossa imprensa, há pouco a acrescentar. Sabemos que a
situação é grave e precisa urgentemente ser mudada se tivermos a
pretensão de nos incluir dentre os países que oferecem um bom nível
de vida a seus cidadãos. Sem Matemática não há cidadania.
[Contato:
macolins@gmail.com]
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