Entre
casos e acasos
(Como
usar a Matemática para detectar os efeitos da aleatoriedade em
nossas vidas)
(Artigo
organizado por Marcos Antônio Colins, professor de Matemática da
Rede Estadual de Ensino do Maranhão)
Lidamos com
números todos os dias. Ao abrir os jornais, lá estão eles nos
informando a temperatura do dia, o percentual de chance do candidato
do partido de esquerda ganhar a eleição ou o quanto a renda de cada
brasileiro aumentou de um ano para o outro. Em nosso trabalho,
podemos estimar o prazo para a conclusão de um projeto, avaliar o
desempenho de determinado funcionário ou simplesmente contar quantos
dias faltam para cair o próximo salário. Todas essas situações
nos mostram como a Matemática está presente em nosso dia a dia. Mas
será que estamos usando-a da melhor forma? De acordo com o físico
norte-americano Leonard Mlodinow, que leciona sobre teorias da
aleatoriedade no Instituto de Tecnologia da Califórnia, não. Em seu
livro O
andar do bêbado: como o acaso determina nossas vidas,
traduzido para o português por Diego Alfaro e publicado pela editora
Zahar, ele nos mostra como podemos evitar conclusões equivocadas ao
lidarmos com eventos aleatórios.
A princípio, um
livro que trata de probabilidade e estatística pode parecer restrito
a matemáticos e profissionais afins, mas este não é o caso. A
leitura é bastante fluída, mesmo àqueles pouco versados no
assunto, o que se deve ao modo bastante divertido com que Mlodinow
traça relações entre a teoria matemática e situações
corriqueiras. Contudo, o leitor não pode ser passivo; ele é
convidado constantemente a aplicar as leis probabilísticas em sua
vida. Assim, ter um bloco de anotações em mãos pode ser bastante
útil para participar da solução dos problemas levantados pelo
autor a cada capítulo. Àqueles que temem a Matemática, uma boa
notícia: as respostas envolverão muito mais lógica do que cálculos
propriamente ditos. E conforme se avança na narrativa, mais clara
fica a relação com o andar do bêbado, metáfora utilizada para
fazer alusão ao movimento aleatório de uma pessoa alcoolizada.
O primeiro
capítulo “Olhando
pela lente da aleatoriedade”
explica que o nosso cérebro está condicionado a buscar padrões
para qualquer acontecimento cotidiano. É por isso que, quando nosso
time começa a perder, logo atribuímos a culpa das derrotas
sucessivas ao novo técnico contratado e passamos, então, a torcer
por sua demissão. Só que, ao contrário do senso comum, uma análise
matemática de todos os grandes esportes apontou que essas demissões
não costumam provocar melhora significativa no desempenho da equipe.
Como explicar o fracasso nesses casos? De acordo com Mlodinow,
trata-se apenas de uma variação aleatória dentro do espectro de
desempenhos possíveis daquele time em particular. A fase ruim seria,
portanto, só uma fase de azar (o que, muitas vezes, já é
suficiente para selar o destino do técnico azarão). Para evitar
decisões precipitadas como essa, só conhecendo um pouco sobre
estatística, ramo da Matemática que nos permite inferir
probabilidades com base nos dados observados.
Do mesmo modo que
o desempenho de uma equipe de futebol, Mlodinow afirma que a maioria
das características biológicas e/ou dos índices socioeconômicos
apresentam uma distribuição normal, ou seja, um espectro de
variação em que grande parte dos dados se situa próximo à média
e apenas alguns deles se situam em um dos dois extremos. Assim,
podemos dizer que embora o Neymar tenha média de um gol por partida,
é possível que em alguns jogos ele não faça nenhum gol, enquanto
em outros ele faça dois ou até três gols. A sua performance será,
excluindo fatores como lesões, estado emocional, entrosamento com a
equipe etc., resultado da variação aleatória dentro do que
permitem suas habilidades. Logo, se ele jogar muito pior do que a sua
média em uma dada partida, é esperado que, na próxima, seu
desempenho “aparentemente melhore”. Isso é o que o autor chama
de regressão à média, fenômeno que reflete a atuação do acaso e
não, por exemplo, os possíveis efeitos das broncas dadas pelo seu
treinador. O mesmo vale quando gritamos com alguém que está
aprendendo a dirigir ou brigamos com nosso filho quando tira uma nota
baixa na escola. A verdadeira melhora de habilidade só pode ser
verificada a longo prazo, quando esse espectro de desempenhos sofre
um ligeiro deslocamento.
Você pode estar
pensando que nada, então, pode ser previsto se todas as nossas ações
sofrem influência do acaso. Entretanto, como sugere o oitavo
capítulo, há “ordem no caos”. Apesar do destino de cada pessoa
ser, de um modo geral imprevisível, é possível enxergar um padrão
a partir de um grupo de pessoas atuando aleatoriamente. Esse padrão,
ao contrário do que costumamos fazer, não é normalmente detectado
quando analisamos um conjunto pequeno de dados. É por isso que um
medicamento só é liberado quando o teste de sua eficácia envolve,
digamos, mil pessoas e não dez. Mesmo que a taxa de melhora dos
pacientes testados seja de 30% em ambas as situações, qualquer um
sabe que o seu significado não é equivalente. A ideia sobre como o
espaço amostral pode influenciar uma análise estatística é
apresentada no terceiro capítulo “Encontrando
o caminho em meio a um espaço de possibilidades”
para ser aprofundada no quinto “As
conflitantes leis dos grandes e dos pequenos números”.
É claro que o
modo mais confiável de determinar se um medicamento funciona ou não
seria testá-lo em todas as pessoas portadoras da doença que ele se
propõe a tratar. Como isso é impossível de se fazer na prática,
precisamos escolher um grupo de pessoas e “torcer” para que os
resultados observados nelas reflitam as probabilidades disso
acontecer em qualquer indivíduo na população. Difícil talvez seja
determinar o tamanho mínimo da amostra para que os resultados se
aproximem ao máximo da realidade, embora se acredite que uma amostra
em torno de mil indivíduos costume produzir erros inferiores a 5%.
Mais difícil ainda é delinear como deve ser feita essa amostragem,
uma vez que a população não é homogênea (e talvez por isso tenha
sido bastante oportuno a Mlodinow sequer tocar nesse assunto).
Uma forma
bastante interessante de avaliarmos como o padrão detectado em uma
análise estatística bate com o “verdadeiro” é o caso de uma
eleição, quando a intenção de votos é medida com base em
entrevistas realizadas com um grupo de mil a duas mil pessoas. Na
eleição para prefeito de São Paulo, por exemplo, o Datafolha
publicou no dia 27/10/2012 que Fernando Haddad (PT) detinha 58% das
intenções de votos válidos contra 42% do candidato José Serra
(PSDB). A pesquisa tinha margem de erro de 2%, o que significa que
cada um desses valores podia variar 2% para baixo ou para cima. No
dia 28/10, pudemos verificar o resultado de fato: 55,57% para Haddad
e 44,43% para Serra, resultado praticamente dentro da margem de erro
do Datafolha, o que prova que a estatística pode mesmo nos ajudar a
detectar esses padrões coletivos.
Outro ponto
bastante interessante que o livro mostra é que nem sempre a
probabilidade de um evento é independente de outro. Assim, quase
todo mundo concorda que a chance de uma pessoa bater o carro quando
está alcoolizada é muito maior do que quando está sóbria. A
probabilidade condicional é um dos assuntos do sexto capítulo
“Falsos
positivos e verdadeiras falácias”.
A partir dele, podemos perceber que as estimativas iniciais podem ser
ajustadas com o acréscimo de informações, o que aumenta a
previsibilidade de nossos modelos. Isso é o que fazem, por exemplo,
as companhias de seguro quando dão descontos aos “bons
motoristas”: elas estão apenas utilizando os dados recém
adquiridos a respeito daquele motorista, segundo os quais sua chance
de acionar o seguro não é tão alta quanto o estimado no início.
O mesmo capítulo
trata, como o próprio nome diz, dos falsos positivos, isto é, dos
erros inerentes de um exame diagnóstico, como o do HIV (vírus da
Aids). O próprio autor, certa vez, ouviu de seu médico que ele
tinha 99,9% de chance de estar com Aids, uma vez que a probabilidade
de seu exame de HIV ter gerado um falso resultado positivo era de
apenas uma em mil. Contudo, reanalisando algumas estatísticas,
Mlodinow chegou à conclusão de que apenas um de cada 11 pacientes
que tiveram exames positivos era, de fato, um portador do HIV dentre
o grupo de americanos brancos, heterossexuais e não usuários de
drogas, o que reduzia suas chances drasticamente. De fato, ele não
tinha Aids, mas o episódio serve para nos mostrar que é sempre bom
ficar atento às taxas de erros dos exames médicos, bem como ao
grupo de risco a que pertencemos, ao analisar uma probabilidade
condicional.
A margem de erro
de pesquisas eleitorais, exames médicos ou do desempenho de atletas
nos faz pensar o quanto a ciência, e por consequência a Matemática,
é imprecisa, embora tenhamos a impressão de que os números
conferem maior exatidão do que as palavras. A própria medição
depende de um sujeito, que carrega consigo toda a sua subjetividade.
Medir, como mostra o sétimo capítulo “A
medição e a lei dos erros”,
implica em variação, que será tanto maior quanto mais subjetivos
forem os dados aferidos. Por isso, não é de se surpreender que um
mesmo professor possa dar notas diferentes para uma mesma prova, por
exemplo. É por isso também que os cientistas não costumam elaborar
suas conclusões com base em uma única medição; é preciso
calcular a média, o desvio padrão, enfim, avaliar como é a
distribuição de seus dados.
Mesmo assim,
acreditamos nos números e buscamos neles uma certeza que não é
mais compatível com a lógica probabilística da ciência
contemporânea. Entender como o aleatório está presente em nossas
vidas é perceber que nem sempre conseguiremos determinar um padrão
para o nosso “andar de bêbado”; é usar as ferramentas
probabilísticas para inferir possibilidades mais gerais, com base em
um número maior de evidências, sem esquecer das limitações quanto
à capacidade preditiva dos padrões gerados. Só assim seremos
capazes de perceber que o sucesso é resultado muito mais de nossa
persistência do que de algum talento nato. Afinal, por mais que uma
moeda esteja viciada em cara, uma hora ela pode dar coroa, não é
mesmo? É só continuar jogando e aproveitar as oportunidades (e
desenvolver as habilidades) que aparecerem pela nossa frente. Boa
sorte!
[Contato:
macolins@gmail.com]
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