A
Matemática no Brasil
(Entrevista
selecionada por Marcos Antônio Colins, professor de Matemática da
Rede Estadual de Ensino do Maranhão)
O Brasil acumula
alguns tristes índices de educação, especialmente na área de
Matemática. Os números provam isso: apenas 11% dos alunos do Ensino
Médio concluem esse ciclo sabendo o que deveriam, de acordo com
dados do movimento Todos
pela Educação.
A mais recente medição apontou que o problema começa nas séries
iniciais. Segundo a Prova
ABC,
ao fim do terceiro ano do ensino fundamental, metade das crianças
não domina operações simples de soma e subtração. No Pisa,
avaliação internacional aplicada pela OCDE
(Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico),
os alunos brasileiros estão 241 pontos atrás dos chineses, líderes
do ranking, em Matemática. Para Marcelo Viana, vice-presidente da
Sociedade
Brasileira da Matemática (SBM),
o problema é provocado principalmente pela distância – no tempo e
no espaço – entre a teoria abstrata que chega à sala de aula e o
mundo concreto que se vê fora da escola. "No processo de
transmissão desse conhecimento pela escola, os professores optam por
apresentar a disciplina de maneira abstrata, ao invés de conectá-la
à realidade", diz Viana. Atualizar a matemática das escolas e
aproximá-la da realidade não implica simplificação, ressalva o
matemático. Basta encontrar a maneira correta de fazê-lo. "É
possível explicar tudo isso a qualquer estudante." Viana
conversou com uma equipe de reportagem sobre o desafio da Matemática
para a série de reportagens da revista VEJA
sobre o impacto da educação e do ensino das ciências no
desenvolvimento do país. Confira a seguir a entrevista.
P.
são as perguntas feitas e R.
são as respostas do professor Viana.
P. Por que
ensinar Matemática é um desafio tão grande?
R. A
Matemática é um conjunto de conhecimentos abstratos que encontram
uma correspondência com o mundo concreto. Porém, no processo de
transmissão desse conhecimento pela escola, os professores optam por
apresentar a disciplina de maneira abstrata, ao invés de conectá-la
à realidade. O modo correto de fazer com que o estudante aprecie
esse conhecimento não é começar pela teoria, mas, sim,
relacionando o ensinamento com o cotidiano. Só então, chega-se à
abstração, que é natural da Matemática.
P. Alguns
especialistas dizem que essa dificuldade de aproximar teoria e
prática é devida ao fato de o ensino da Matemática estar parado no
tempo. O senhor concorda?
R. Esse
é um dos fatores. Leva-se muito tempo para incorporar as inovações
da Matemática nos currículos escolares. Isso é, na verdade, um
problema antigo. No início do século XX, houve um esforço muito
grande para que fossem incorporadas as inovações do século XIX.
Agora, os especialistas estão empenhados em esforço similar, ou
seja, de incorporar nos currículos do século XXI as transformações
do século XX. As tecnologias, os novos programas, a internet –
tudo isso transformou a Matemática. O Google só foi possível com a
Matemática do século XX.
P. O senhor
pode dar exemplos das transformações do século XX que precisam ser
incorporadas?
R. Sim.
A Matemática discreta, por exemplo, por meio da qual medimos objetos
muito grandes, mas finitos e que é muito utilizada na ciência da
computação. Outro ponto é a teoria do caos, que tem inúmeras
aplicações para resolver problemas de grande complexidade em uma
velocidade grande. Existem também os algoritmos, que são regras
criadas para resolver problemas complexos, como se quiséssemos
organizar por ordem alfabética os nomes dos 200 milhões de
brasileiros.
P. É possível
ensinar esse tipo de conteúdo para alunos da educação básica?
R. Com
certeza. Algumas áreas são técnicas e exigem pré-requisitos
elaborados. Mas existem muitos aspectos elementares desses conteúdos
– digo elementares não por serem fáceis, mas por exigirem poucos
pré-requisitos. É possível explicar tudo isso a qualquer
estudante.
P. Para isso é
preciso professores capacitados, correto?
R. Sim.
A dificuldade atualmente é a capacitação do professor, que é hoje
um dos grandes gargalos da educação. A capacitação inicial e
continuada desse profissional ainda é muito frágil.
P. Como fica
nosso futuro científico se falharmos na missão de aproximar a
Matemática das crianças e dos jovens?
R. O
Brasil conseguiu nas últimas décadas a façanha de construir um
sistema científico sem ter uma educação razoável. Nossa ciência
atingiu um patamar louvável para um país sem estrutura científica.
Mas não é possível seguir dessa maneira. Precisamos dar um salto
quantitativo e qualitativo para nos aproximar dos países mais
desenvolvidos do mundo. A única forma de conseguir isso é
universalizando o acesso à ciência, permitindo que ela chegue a
todos e que todos possam se apaixonar e se dedicar a ela.
P. Como fazer
isso?
R. É
preciso inclusão. Temos boas escolas no país. Nossos melhores
alunos são comparáveis aos melhores alunos dos melhores países. Em
competições internacionais, ganhamos diversas medalhas em
Matemática, Física e Robótica, por exemplo. O problema é que
nosso nível médio é ruim. Nossos alunos medianos são ruins. É
esse o grande problema da educação.
P. O país está
disposto a fazer esse investimento em ciência?
R. É
o futuro do país que está em jogo. Se não investirmos nisso agora,
não investiremos nunca mais. Está provado que é possível fazer
essa revolução investindo em educação e democratização
científica. A Noruega era um país em desenvolvimento até pouco
tempo atrás. Graças ao investimento em educação, é uma grande
nação. A Finlândia era um país em que os moradores migravam
porque não havia oportunidade. Hoje, é referência em diversos
campos. O Japão, idem. A China está se transformando e está
investindo em ciência. Ela, um país continental como o nosso,
mostra que é possível fazer isso em grande escala. Todos esses
países se transformaram porque investiram.
[Contato:
macolins@gmail.com]
Nenhum comentário:
Postar um comentário