Produção
científica em Matemática ganha destaque internacional, mas ainda
tem problemas a sanar
(Artigo
organizado por Marcos Antônio Colins, professor de Matemática da
Rede Estadual de Ensino do Maranhão)
A pesquisa
matemática brasileira começou a se estruturar institucionalmente há
pouco mais de meio século. Muito recente, portanto, se comparada ao
surgimento da filosofia grega pré-socrática – origem de todas as
ciências – com Tales de Mileto, na Antiguidade clássica, por
volta de 625 a.C.. No entanto, os estudos em Matemática no país têm
avançado bastante e começam a ganhar destaque em âmbito
internacional.
O
Brasil integra, desde 2005, a Internacional Mathematical Union (IMU),
entidade que reúne nações com um objetivo em comum, o de fomentar
a cooperação internacional nessa área do conhecimento. Os países
são organizados por relevância de pesquisa e o Brasil conquistou
seu lugar no segundo grupo, junto com Holanda, Suíça e Suécia,
entre outros. No seleto primeiro grupo de maior relevância estão
Estados Unidos, Reino Unido, Rússia e China.
Em 2010, o
matemático brasileiro Jacob Palis foi um dos vencedores do prêmio
Balzan, reconhecimento anual da fundação ítalo-suíça de mesmo
nome a pesquisadores internacionais das áreas de ciências humanas e
naturais. Palis, que é membro do Instituto Nacional de Matemática
Pura e Aplicada (IMPA), estuda sistemas dinâmicos, em que são
possíveis criar simulações ou descrições matemáticas de
fenômenos da natureza, da sociedade ou da economia.
Esse é um dos
ramos mais promissores de pesquisa, segundo Daniel Marinho
Pellegrino, membro da Associação Brasileira de Ciência (ABC) na
área de Matemática, professor associado da Universidade Federal da
Paraíba (UFPB) e docente da pós-graduação em Matemática da
Universidade Federal de Pernambuco (UFPE). “As principais áreas de
pesquisa são sistemas dinâmicos, equações diferenciais parciais e
análise funcional. E a nossa pesquisa avançou muito. Hoje, é fácil
encontrar artigos de pesquisadores brasileiros nas principais
revistas do mundo”.
Para Jalman Alves
de Lima, que após concluir seu mestrado em Matemática pela UFPB,
através de um intercâmbio bilateral com a Universidade Estadual de
Campinas (Unicamp), se tornou doutorando e professor assistente na
Université Catholique de Louvain, na Bélgica, os grandes centros de
pesquisas brasileiros são polarizados. “A área de sistemas
dinâmicos, por exemplo, está concentrada fortemente no IMPA, no Rio
de Janeiro. Já análise funcional possui bons nomes na Paraíba, no
Ceará e em São Paulo. No mundo, esse cenário também varia de país
para país”.
Na UFPB,
Pellegrino coordena um grupo de pesquisas em análise funcional, que
possui duas linhas mestras: operadores absolutamente somantes (que
contribui para o desenvolvimento de um campo conhecido como “Teoria
Linear”) e lineabilidade e espaçabilidade (que trabalha com
estruturas lineares em conjuntos). O grupo possui estreita relação
com pesquisadores da Universidade Complutense de Madrid e da
Universidade de Valência, ambas na Espanha, em estudos
colaborativos.
Produção
científica
Em números
absolutos, a publicação científica brasileira em Matemática tem
crescido vertiginosamente nos últimos anos. De acordo com um boletim
publicado em novembro de 2011 na série de Indicadores Fapesp de
Ciência, Tecnologia e Inovação, entre 2008 e 2010 foram publicados
2.705 artigos na área. No entanto, os dados não são tão
animadores em termos da participação das ciências exatas como um
todo na produção geral do Brasil. De acordo com a Scientific
Electronic Library Online (SciELO), os artigos científicos em
ciências exatas e da terra publicados na base de dados da entidade
representavam, em 2000, 10% do total de artigos brasileiros (em
números absolutos, foram publicados 677 artigos num universo total
de 6.752). Já em 2011, a participação caiu para 7% (1.449 artigos
de um total de 20.812 publicações). Além de Matemática, a grande
área de ciências exatas e da terra inclui Astronomia, Ciências da
Computação, Física, Geociências, Química, Oceanografia, e
Probabilidade estatística. Para se ter uma ideia do que esses
números representam, o total de artigos brasileiros em ciências
exatas e da terra na base do SciELO em 2011 representava menos do que
a produção média anual de artigos em Matemática da Espanha e do
Canadá no triênio de 2008 a 2010, que foi, respectivamente, de
2.089 e 2.151 artigos.
Mas na avaliação
de Jalman Alves de Lima, as pesquisas brasileiras são boas. “O
IMPA é um exemplo de centro de excelência no mundo. Está no mesmo
nível ou, em alguns casos, melhor que centros mundialmente
conhecidos, como (as universidades norte-americanas de) Havard e
Princeton. Segundo dados da American Mathematical Society, a
instituição brasileira publica, em média, 2,03 artigos relevantes
por pesquisador ao ano, enquanto Harvard alcança 1,89 e Princeton,
1,83. Porém, esse caso é ainda pontual”.
Ensino e
pesquisa
O Brasil conta com
47 instituições de ensino superior que oferecem pós-graduação na
área nas modalidades de mestrado e doutorado. Atualmente, formam-se
cerca de 120 doutores em Matemática a cada ano, de acordo com dados
do Instituto Nacional de Ciência e Tecnologia em Matemática
(INCT-Mat).
No entanto, o
número ainda é tímido. Um relatório realizado pelo Centro de
Gestão e Estudos Estratégicos (CGEE), intitulado “Doutores 2010:
estudos da demografia da base técnico-científica brasileira”,
exemplifica a diferença em relação a outras áreas. Em 2008, foram
titulados no total 10.705 doutores em todo o país. Porém,
Matemática formou apenas 93. Dentro da grande área de ciências
exatas e da terra, o curso fica em 5º lugar, atrás de Química
(402), Física (234), Geociências (201) e Ciências da Computação
(131). O curso a formar mais doutores naquele ano foi o de Medicina
(1.067).
Para melhorar
esse cenário, o país ainda precisa enfrentar outra situação. “O
Brasil está perdendo bons nomes para centros estrangeiros, pois são
mais atrativos, o que enfraquece o mercado local”. É o caso dele
próprio, que interrompeu o doutorado no país para cursar doutorado
pleno na Bélgica. “Isso foi idealizado há muito tempo atrás,
quando eu ainda estava no final da graduação. Tive algumas
conversas com meu atual orientador sobre meu interesse e fui
aprovado. Hoje estudo espaços de funções em superfícies (tais
como esferas), estabelecendo suas propriedades. Não pretendo voltar
para o Brasil”.
A escassez de
financiamento constante, que permita planejamento a longo prazo, é
um dos grandes empecilhos para a produção científica nacional.
“Por enquanto, os recursos são muito variáveis, dependendo de
governos, da política de cada estado da federação e de suas
agências de fomento. Alguns estados, como a Paraíba, são carentes
de recursos; por outro lado, São Paulo tem a Fapesp (Fundação de
Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo)”, explica Pellegrino,
da UFPB, referindo-se à agência estadual de fomento à pesquisa com
maior orçamento do país.
Outro problema a
ser enfrentado, além da desigualdade regional, é a evasão no
ensino superior. A graduação em Matemática é a que tem a menor
taxa de alunos que concluem. Cerca de 30% não chegam ao final do
curso, índice bem acima da média brasileira, que é de 22%, segundo
o estudo “A evasão no ensino superior brasileiro”, com base em
dados do Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais
Anísio Teixeira (INEP), referentes ao período de 2001 a 2005,
publicado em Cadernos
de Pesquisa,
revista de estudos e pesquisas em educação da Fundação Carlos
Chagas.
O problema da
evasão, crítico no caso da Matemática, também chama a atenção
em outras áreas. Dados mais recentes do Censo do Ensino Superior,
divulgados pelo Ministério da Educação e Cultura (MEC), apontam
que, nos anos de 2008 e 2009, mais de 896 mil graduandos abandonaram
a sala de aula, representando 20,9% do total dos alunos matriculados
em universidades brasileiras.
Dentre os
possíveis motivos para a desistência nos primeiros anos de curso
superior estão o baixo desempenho no ensino médio, que gera
dificuldade para o acompanhamento do aluno nas disciplinas de
graduação; a escolha errada do curso ao prestar o vestibular –
muitos alunos abandonam um curso para depois tentar ingressar em
outro –; o desinteresse do estudante pela estrutura curricular após
o início das aulas; a insatisfação com as perspectivas da área
escolhida no mercado de trabalho; e, por fim, por razões pessoais
das mais diversas.
Para Jalman Alves
de Lima, o ensino, de uma forma geral, tem que ser discutido e
repensado. “Não falo apenas nas universidades, mas também nos
ensinos fundamental e médio. Se queremos ser uma referência em
Matemática, devemos mudar na raiz. Há movimentos locais no Brasil,
mas precisamos discutir seriamente a educação como um todo, o que
inclui a Matemática. Será que a formação que damos aos nossos
jovens é suficiente?”.
[Contato:
macolins@gmail.com]
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