No
meio do caminho havia (muitas) pedras
(Conheça
os motivos que fazem com que alunos entre 15 e 17 anos cursem a EJA)
(Artigo
organizado por Marcos Antônio Colins, professor de Matemática da
Rede Estadual de Ensino do Maranhão)
A presença de
adolescentes na Educação de Jovens e Adultos (EJA) é preocupante:
quase 20% dos matriculados têm de 15 a 17 anos. O número de alunos
dessa faixa etária na modalidade não tem sofrido grandes variações
nos últimos anos, apesar da queda no total de matriculados (28,6%).
Dados da Ação
Educativa com
base nos Censos Escolares indicam que, em 2004, eram 558 mil
estudantes e, em 2010, 565 mil. O cenário tem chamado a atenção
dos especialistas da área. Por que esses adolescentes estão
frequentando a modalidade, em vez de estarem na educação básica
regular? São vários os motivos. Alguns extrapolam os muros da
escola, enquanto outros têm a ver diretamente com a qualidade da
educação, ou seja, envolvem o Ministério da Educação (MEC),
Secretarias Municipais e Estaduais, gestores e, é claro, os
professores que lecionam na modalidade.
Três grandes
questões sociais fazem com que, todos os anos, muita gente desista
de estudar ou então deixe a sala de aula temporariamente:
- Vulnerabilidade: Muitos estudantes enfrentam problemas como a pobreza extrema, o uso de drogas, a exploração juvenil e a violência. “A instabilidade na vida deles não permite que tenham a educação como prioridade, o que os leva a abandonar a escola diversas vezes. Quando voltam, anos depois, só resta a EJA”, diz Maria Clara Di Pierro, professora da Faculdade de Educação da Universidade de São Paulo (USP).
- Trabalho: A necessidade de compor a renda familiar faz com que muitos alunos deixem o Ensino Fundamental regular antes de concluí-lo. O estudo Jovens de 15 a 17 anos no Ensino Fundamental, publicado em 2011 em Cadernos de Reflexões, do MEC, revelou que 29% desse público que está matriculado do 1o ao 9o ano já exerce alguma atividade remunerada, sendo que 71% ganham menos de um salário mínimo. A dificuldade de conciliar os estudos com o trabalho faz com que mudar para as turmas da EJA, sobretudo no período noturno, seja a única opção.
- Gravidez precoce: A chegada do primeiro filho ainda na adolescência afasta muitos da sala de aula, principalmente as meninas, que param de estudar para cuidar dos bebês e, quando conseguem, retornam à escola tempos depois, para a EJA. Assim, não estudam com colegas bem mais novos e concluem o curso em um tempo menor. Segundo a Fundação Perseu Abramo, 20% dos meninos que largaram os estudos tiveram o primeiro filho antes dos 18 anos. Entre as mulheres, esse percentual é de quase 50%. Dessas, 13% se tornaram mães antes dos 15 anos, 15% aos 16 anos e 19% aos 17 anos.
O sistema
educacional e seus problemas
Os demais motivos
que levam a garotada a se matricular na EJA têm a ver com a falta de
qualidade do sistema de ensino e suas consequências:
- Reprovação e evasão: O estudo do MEC aponta que a repetência de 17,4% no 7o ano e 22,6% no 8o só não é maior devido ao aumento da evasão escolar. Em 2005, o Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira (Inep) divulgou que a taxa de evasão cresce continuamente ao longo dessa etapa de educação (no 1o ano é de 1%, no 5o, de 8,3%, e no 8o, de 14,1%).
- Distância da escola no campo: Reunir alunos da zona rural em uma só escola-núcleo é uma saída das redes para garantir que os professores alcancem o número mínimo de aulas e reduzir os gastos com infraestrutura e transporte. Isso, no entanto, nem sempre é positivo para muitos dos alunos: a distância passa a ser mais um empecilho para que sigam estudando.
- Desmotivação: Sem se interessar pelo que a escola oferece, vários adolescentes deixam de frequentar as aulas e só tempos depois retornam, cientes da importância dos estudos. Não só o currículo mas também a forma como ele é trabalhado provocam o desinteresse. “Às vezes, frequentar a igreja ou assistir à televisão são atividades mais atraentes do que o conteúdo das disciplinas”, diz Eliane Ribeiro Andrade, professora da Faculdade de Educação da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ). Adequar as aulas às necessidades dos alunos que têm mais de 15 anos e ainda estão no Ensino Fundamental, e não esperar que o contrário ocorra, é um desafio. “Isso é possível quando são propostas diferentes estratégias para ajudá-los a superar as dúvidas e dificuldades do cotidiano”, explica Cleuza Repulho, presidente da União Nacional dos Dirigentes Municipais de Educação (Undime) e secretária de Educação de São Bernardo do Campo, na Grande São Paulo.
- Decisão do gestor: Trata-se da atitude irresponsável de empurrar casos considerados problemáticos para as turmas de EJA. Dessa forma, os diretores buscam se livrar da indisciplina e evitar que os resultados da escola nas avaliações externas piorem, o que impacta o cálculo do Índice de Desenvolvimento da Educação Básica (Ideb). Um verdadeiro processo de higienização do Ensino Fundamental, que reconhece as turmas de EJA como algo menor e sem importância. Para superar o problema, é preciso investir em formação e conscientização de gestores.
Solução para
o problema está distante
Segundo Roberto
Catelli Júnior, coordenador de projetos da Ação
Educativa,
a procura dos adolescentes entre 15 e 17 anos por vagas na modalidade
deve se manter por um bom tempo, já que a taxa de conclusão do
Ensino Fundamental na idade correta é muito baixa. Para ter uma
dimensão do problema, somente seis em cada dez estudantes de 16 anos
concluíram o 9o
ano em 2009, segundo o movimento Todos
pela Educação.
“Os jovens que estão na EJA hoje já passaram pela escola regular
e esta, por sua vez, não deu conta de garantir a eles a
aprendizagem. Tempos depois, esses adolescentes retornam, dando mais
uma chance para a instituição, que não pode desperdiçá-la”,
diz Cleuza.
Também podem
estar entre os alunos da modalidade nos próximos anos aqueles que
estão fora da escola atualmente. O mais recente levantamento a
respeito feito pelo Fundo das Nações Unidas para a Infância
(Unicef) revela que 570 mil meninas e meninos entre 7 e 14 anos estão
excluídos do sistema educacional brasileiro. Na população entre 15
e 17 anos, são cerca de 1,5 milhão.
Em 2007, o
Conselho Nacional de Educação (CNE) discutiu a possibilidade de
elevar para 18 anos a idade mínima para o ingresso no Ensino
Fundamental da EJA (hoje é exigido ter 15 anos). A medida, que tinha
como objetivo proibir o ingresso de adolescentes na modalidade, não
foi aprovada pelo MEC. Para Eliane, da UFRJ, a decisão foi acertada.
“Em um mundo ideal, a proposta é muito boa. Mas não podemos tirar
a oportunidade de milhares de adolescentes de estudar. Quanto mais
possibilidades de atender essa população, maiores as chances de
garantir a permanência na escola e a conclusão dos estudos.”
Assim, colocá-los
muitas vezes em turmas em que estudam colegas idosos não chega a ser
um problema. Quando a gestão funciona, os professores são bem
formados e o Currículo é organizado levando em conta a pluralidade
de idades, o clima pode ser harmonioso, e o contato com pessoas de
idades diferentes, positivo. Quando o jovem está sozinho em meio a
colegas mais velhos, no entanto, sente falta de se relacionar com
pessoas da mesma faixa etária. “Não há regra. O problema é que
nem sempre os professores estão preparados para resolver os
problemas que surgem, como conflitos de opiniões entre gerações
diferentes”, explica Maria Clara, da USP.
No âmbito mais
amplo, no que se refere à gestão do sistema, os governos municipal,
estadual e federal precisam atuar em conjunto com as Secretarias de
Educação para atacar os problemas relacionados à vulnerabilidade,
à gravidez na adolescência e ao ingresso precoce no mercado de
trabalho. E as Secretarias, em parceria com as escolas, devem
trabalhar para reduzir o tamanho das turmas para atender todos de
modo adequado, assegurar o transporte escolar, selecionar material
didático específico e garantir a formação dos professores.
Ignorar a
urgência dessas tarefas só vai fazer com que a situação piore e
comprometa as poucas boas notícias da área, como a pequena taxa
atual do analfabetismo entre 15 e 18 anos, cerca de 1,5%.
[Contato:
macolins@gmail.com]
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